“O senhor… mire e veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior.”
Guimarães Rosa
Reconhecer a nossa história é reconhecer o processo de luta da classe trabalhadora brasileira. A nossa profissão é uma das primeiras atividades laborais a ter reconhecimento legal por parte do Estado, ainda na década de 1950, com a Lei Federal nº 3.252, de 27 de agosto de 1957 e com o Decreto nº 994, de 15 de Maio de 1962 essa lei é regulamentada. Foi nesse percurso da história que intitulamos o “15 de maio” como dia do/a assistente social.
Foi o Decreto nº 994 que determinou, em seu artigo 6º, que a disciplina e fiscalização do exercício profissional caberiam ao Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e aos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRAS), hoje denominados CFESS e CRESS.
Como a história é movimento e construída e reconstruída pelos próprios homens, a perspectiva da profissão que se caracterizava nas primeiras décadas com uma perspectiva conservadora, acrítica e despolitizada face às relações econômicos – sociais da época, passou ser contestada com um posicionamento da categoria e das nossas entidades em um movimento de reconceituação assumido a partir do III CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais), realizado em São Paulo em 1979, conhecido no meio profissional como o Congresso da Virada.
Assistentes sociais sintonizados/as com as lutas pela redemocratização, vinculados/as aos movimentos sociais, aos movimentos sindicais e às forças mais progressivas da sociedade, se articulam em uma perspectiva crítica nos anos 80. Revisitar esses marcos históricos é reconhecer que a nossa profissão nunca fugiu da luta e tem como perspectiva um modelo societário emancipatório para todas e todos. Nada diferente do que vivemos hoje em 2020, em que no campo das disputas políticas, econômicas e sociais, assumimos e reconhecemos o nosso lado: o lado da classe trabalhadora!
Nos anos 90 a profissão assume um novo contorno, tendo como marco o novo Código de Ética (1993) e a nova Lei de Regulamentação da Profissão (Lei Federal nº 8.662 de 7 de Junho de 1993) que, a partir de um acúmulo e amadurecimento sobre as atribuições privativas e competências profissionais, descreve o que deve ser o exercício profissional das/os assistentes sociais no Brasil, a partir de uma visão e compreensão de mundo de forma mais crítica. Consolidada pelas bases teóricas e políticas do Serviço Social pós movimento de reconceituação, a regulamentação possibilitou que nosso papel na sociedade fosse mais bem compreendido do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista político, ao reafirmar a direção social de nossos compromissos com o processo de redemocratização da sociedade brasileira. Nesse sentido, nesse ano de 2020, quando comemoramos 27 anos dessa nova lei e, ainda, vivemos toda essa conjuntura colocada de crise política e sanitária de Pandemia em decorrência do novo Coronavírus (COVID-19), qual a importância de termos uma profissão regulamentada?
Consideramos que, a partir desse novo marco legal, torna-se necessário a existência dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social como representações legais e legítimas perante o Estado, diante da necessidade de normatização e fiscalização do exercício profissional. Ao Conselho Federal competia/e criar normas para regular e fiscalizar o exercício profissional e aos Conselhos Regionais cabia/e a operacionalização dessa fiscalização em cada região do Brasil. Vale ressaltar que esta atividade de fiscalização passou por um processo de ampliação, amadurecimento e renovação da sua concepção, pois deixou de ter um caráter meramente disciplinador, adquirindo uma dimensão político-pedagógica que evidencia o compromisso da categoria com a qualidade dos serviços prestados enquanto direitos sociais historicamente conquistados, compromisso profissional com o constante aprimoramento intelectual na perspectiva de orientação quanto aos princípios éticos e políticos da profissão, e evidencia compromissos coletivos e públicos com as demandas sociais.
Destaca-se também a dimensão afirmativa de princípios que expressa o compromisso com as lutas mais gerais das/os trabalhadoras/es, com a qualidade dos serviços prestados à população usuária e, portanto, com a defesa e o fortalecimento do projeto ético-político profissional do Serviço Social. Nesse sentido, a Política Nacional de Fiscalização (1999) pode ser considerada como um instrumento importante dessa trajetória do exercício profissional, assim como as Diretrizes Curriculares da ABEPSS tornam-se um marco na formação profissional qualificada e em consonância com nosso Projeto Ético Político. Além disso, fortalecer as entidades que são essenciais nessa construção do Serviço Social Brasileiro é muito importante. A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO) têm um papel fundamental na história de consolidação e luta dessa profissão.
Termos uma profissão regulamentada, crítica, propositiva e comprometida com os valores democráticos e universais de justiça e equidade (como expresso em nosso Código de Ética), faz-se urgente nessa conjuntura que vivenciamos. Já passávamos por um momento onde as relações e condições de trabalho estavam precarizadas, onde as/os trabalhadoras/es vinham perdendo direitos historicamente conquistados, e o que temos visto com esse cenário de Pandemia é ainda mais assustador, tanto do ponto de vista do impacto desse cenário nas/os assistentes sociais, como nas condições concretas para estar na linha de frente no combate à COVID-19.
Com isso, nota-se a importância de aprofundar os princípios preconizados no nosso Projeto Ético Político, que se materializa em nosso Código de Ética e demais normativas profissionais e, nessa direção, urge articular possibilidades de enfrentamento à essa conjuntura, defendendo e valorizando sempre essa profissão que se faz tão necessária na história de luta da classe trabalhadora construída nesse país. Esta compreensão possibilita ampliar nossas capacidades interventivas, e instrumentalizar a defesa de condições de trabalho para assistentes sociais, que são, simultaneamente, defesa dos direitos das/os usuárias/os das políticas públicas e privadas que operacionalizamos.
Porém, ainda é comum encontrar pessoas que acreditem na desnecessidade de formação específica para o desempenho das atividades executadas pelas/os assistentes sociais. Nesse sentido, a regulamentação profissional possibilita uma melhor compreensão de nossas atribuições e competências profissionais e também contribuiu para ampliar a capacidade interventiva das/dos assistentes sociais, mesmo em uma conjuntura bastante desfavorável aos valores e princípios da profissão, como a que vivemos.
O grande desafio para o Serviço Social é, diante desse contexto, conseguir concretizar seu projeto ético-político comprometido com a garantia dos direitos sociais das/os trabalhadoras/es, com a defesa de políticas sociais universais, com a luta por condições de trabalho adequadas para o exercício profissional e, consequentemente, com a qualidade dos serviços prestados à população usuária. Além disso, a histórica e importante articulação, como forma de fortalecimento e resistência (ainda mais nesse momento) das entidades representativas. A regulamentação profissional avança na definição do papel do Conjunto CFESS-CRESS, conferindo legitimidade à atuação destas entidades na defesa da imagem socialmente referenciada da profissão!
Texto produzido por Tuanne Almeida de Souza (Assessora em Serviço Social do CRESS 17ª região) e pela/o conselheira/o Sabrina Moraes Nascimento e Carlos Augusto da Silva Costa, da gestão “É preciso estar atenta e forte” – 2020-2023.
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