Para Marielle Franco,
Querida, inicio esta carta com o desejo que essas palavras cheguem até você. Hoje, 27 de julho de 2020, você completaria 41 anos. Desde 14 de março de 2018, essa data para nós mistura saudade com indignação. Ainda estamos sem a resposta de quem foi o mandante da sua execução. A sua família ainda luta, bravamente, pedindo justiça ao Estado brasileiro.
Sentar aqui para te escrever é revisitar sentimentos que me dão náuseas. Ainda assim quero continuar. Estou ouvindo Elza Soares, Mulher do fim do mundo. Vocês são atemporais e nos atravessam, cotidianamente. Elza canta para você. Canta por você. Encanta com você. Os meus ouvidos seguem atentos e os meus dedos deslizam pelo teclado do computador, buscando dar sentido a cada palavra. Não é só uma carta de aniversário. É uma carta-sopro, que pede passagem às forças do universo para romper essa ideia do fim de uma vida. Você vive! Esta carta há de chegar até você.
Fico me perguntando: quantos enredos foram interrompidos por aquelas balas? Dá para sonhar e imaginar um mundo em que você re existe, Marielle. Você ia ver todo o florescer de tantas outras mulheres que, como você, também são crias das mais diversas “Marés” espalhadas nas comunidades desse país. Vai perceber que todo o emaranhado do racismo ainda insiste em nos colocar em um lugar social da insignificância. Só que somos sementes, e sendo sementes teimamos em germinar. Vigorosa resignação nós temos. Eles ainda duvidam da nossa força.
Essa carta é para te dizer que este dia me deixa triste. Sigo triste com o seu assassinato e por ter te conhecido em função dele. 46.502 pessoas te conheciam e te elegeram como vereadora da cidade do Rio de Janeiro. Acreditaram na sua coragem de construir uma política que afrontava os ditos poderes formais. Você, mulher negra, favelada e com voz apresentou 13 projetos de lei em 13 meses de mandato. Você foi interrompida. Ousaram interromper você. Uma mulher negra eleita.
Há dias mais difíceis. Eles seguem com o projeto de aniquilar as nossas vidas, nossas famílias, sonhos e histórias. Isso nos dá raiva. Marielle é a raiva que chega depois da tristeza e do pesar. Descobri que ela é extremamente poderosa. Você sabia disso! Era raiva a manifestação da sua repulsa à opressão. É a raiva que nos faz cuidar e ser cuidada. Só de raiva a gente segue se amando e se identificando como potências. Só de raiva, do luto à luta. E só de raiva a gente reivindica o amor.
Você deve estar feliz com o nascimento de Eloah e com toda potencia transformadora do Instituto que leva seu nome. Anielle é a principal responsável por essas boas novas. E, com ela, tantas outras mulheres negras buscam ouvir o sussurrar da sua voz que ainda teima de nos soprar resistência.
Essa carta-sopro está chegando ao fim. Que ela seja destemida igual à destinatária e que, mesmo que tenha que fazer viagens derradeiras até o seu destino, ela cumpra o seu papel: de desejar caminhos de luz onde quer que estejas.
Sabrina Moraes
Assistente Social, presidenta do CRESS-ES.
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