Prosseguindo com a série lançada no mês de maio, em nossa terceira entrevista, conversamos com a assistente social e conselheira do CRESS-ES, Emilly Marques Tenorio. Emilly se formou em 2009 pela UFF de Niterói/RJ e há seis anos vive no Espírito Santo.
CRESS-17: Conte-nos brevemente sobre sua trajetória acadêmica.
Me formei em 2009 e minha trajetória acadêmica foi muito pautada a partir dos meus locais de trabalho e das demandas que apareciam no cotidiano que me instigavam a estudar e procurar entender e aprofundar as respostas que podia construir com a população usuária. Fui assistente social na enfermaria pediátrica de um hospital universitário após me formar e vi que havia muito a sistematizar e contribuir com as análises sobre as crianças cronicamente adoecidas. Fiz, por isso, a especialização em Serviço Social e Saúde na UERJ em 2011 e participava do Fórum de Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes com Doenças Crônicas e/ ou Deficiência e suas Famílias que ocorre no Instituto Fernandes Figueira (IFF/FioCruz), os estudos não se separam da militância, né? A partir desse estudo, percebia a sobrecarga das mulheres nos cuidados e me descobri feminista! Quando me mudei para o ES, comecei a atender mulheres em situação de violência e comecei a Especialização em Gênero e Sexualidade da UERJ (CLAM/IMS) em 2013, a participar das reuniões do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (FOMES) e da comissão sobre violência contra a mulher do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos/as do TJES (FASP). O cotidiano, a militância e a experiência de ser mulher na sociedade capixaba me impulsionaram a entrar no mestrado em Política Social da UFES, onde tive a dissertação defendida ano passado.
CRESS-17: Onde você atua? Quais são os principais desafios?
Sou assistente social de uma Central de Apoio Multidisciplinar do TJES. Esse setor é composto por assistentes sociais e psicólogos/as e atendemos uma região judiciária composta por 8 municípios. Os desafios são muitos: a falta de profissionais suficientes para atender toda a demanda, as diferentes expressões da questão social onde somos chamadas a opinar tecnicamente (violência contra a mulher, família, órfãos e sucessões e infância e juventude), os longos deslocamentos entre os municípios, a dificuldade em estar mais próximo e articulada a rede de serviços de cada um que tem particularidade e formas de organização e estruturas diferenciadas… Nossa luta sempre é em defesa de concurso público, mas sabemos como tem sido o direcionamento da maioria dos espaços de trabalho e o judiciário não é diferente. Lidamos com o incentivo ao voluntariado, o debate do depoimento especial, da mediação familiar, todos esses que também são desafios enfrentados pelo conjunto CFESS/CRESS. Ainda tem o fenômeno da judicialização da vida, questões que não necessariamente deveriam chegar ao judiciário, mas que sabemos que em tempos de negação de direitos e acirramento de conflitos sociais, o judiciário acaba aparecendo como uma saída para questões que não são meramente jurídicas, mas fruto dessa sociedade desigual em que vivemos.
CRESS-17: Como as normativas e publicações do conjunto CFESS-CRESS comparece na atuação?
A todo tempo, de forma explícita ou não. A questão do sigilo, da supervisão de estágio, do nome social, do atendimento à população trans, são algumas que podemos citar, mas além dessas o Código de ética e a Lei de Regulamentação da Profissão precisam sempre comparecer. Às vezes nos dedicamos tanto a estudar as legislações pertinentes ao nosso espaço sócio-ocupacional que esquecemos de revisitar as normativas próprias da profissão. Isso é fundamental. Acompanhar as publicações do CFESS Manifesta também é um material bem bacana, sintetizado e ao mesmo tempo profundo e político que alcança diferentes temáticas da profissão. Citei anteriormente o voluntariado, nós temos um termo de orientação sobre isso no CRESS-ES com um posicionamento contrário. Na instituição nos posicionamos contrárias/os também pelo FASP. No judiciário, as normativas nos dão embasamentos legais para argumentar com juízes e com a instituição de forma geral, já que para nós essas normativas têm lado, não são neutras e, como todas as leis, são escolhas e posicionamentos políticos.
CRESS-17: O Serviço Social é uma profissão predominantemente ocupada por mulheres e que atua em sua maioria com mulheres nos espaços sócio-ocupacionais. Diante disso, como você analisa a discussão de gênero dentro da profissão?
Esse debate é fundamental e não pode ser secundarizado na formação, assim como o debate étnico-racial. Esses temas precisam ser transversais nas disciplinas. Quando estudamos a temática compreendemos um dos motivos da desvalorização e da baixa remuneração da nossa profissão: é uma profissão considerada de mulheres e que atende majoritariamente mulheres, mulheres que tem raça e que tem classe. O impacto do desmonte das políticas públicas na vida das mulheres que atendemos se dá na pele de nossa população usuária e na precarização dos serviços que estamos inseridas. Se não consideramos em nossa análise as relações sociais de sexo, de raça e de classe não conseguiremos fazer as mediações necessárias para nossa atuação profissional.
CRESS-17: E o que mais te marcou na trajetória de pesquisa e estudos sobre a violência contra mulher?
A realidade é nosso chão de análise. Fazer mestrado trabalhando não é nada fácil. Mas no dia que eu atendia mulheres e ouvia suas histórias, refletia com elas sobre o processo de violência e as limitações da proteção social ofertada, eram os dias em que eu mais me sentia inspirada em escrever. Acho que também era uma forma de protestar e lutar contra tantas limitações no cotidiano. Acho que era uma denúncia, sabe? Todas as histórias me marcam. Não tem como não se reconhecer na outra, não querer mudar esse mundo para todas nós. Mas na trajetória de estudos, um momento muito significativo foi poder cursar uma disciplina sobre feminismo materialista na UERN com Mirla Cisne e Telma Gurgel, ter contato com outras estudiosas militantes de diferentes áreas e ter uma sala de aula só com feministas, imagina como foi? Óbvio que fazemos várias escolhas cotidianas na direção dessa resistência, como o tema do maio fala. Na época, tive que tirar férias para cursar a disciplina que foi condensada em duas semanas.
CRESS-17: Compondo também enquanto conselheira a atual gestão do CRESS/ES – Tempos de Resistir (2017-2020), o que destacaria da sua experiência nesse campo de militância?
Sou relativamente nova na militância do conjunto CFESS-CRESS e foi surpreendente aprender como temos tanta coisa construída coletivamente. Perceber como o funcionamento dos nossos conselhos se diferenciam de uma dimensão meramente fiscalizatória e caminha lado a lado com os demais movimentos sociais nos dá fôlego para construir a direção social dessa profissão que vem enfrentando tantos desafios nessa conjuntura adversa. Convido a todos/as a conhecerem mais de perto o funcionamento do conselho, as bandeiras de luta, a participar das atividades e comissões. Esse mês completamos um ano de gestão, mas o aprendizado e crescimento é tanto que parece que tem muito mais tempo que estamos nessa tarefa. Atualmente estou na comissão de comunicação e na COFI (orientação e fiscalização) e sou a 2ª secretária na gestão “Tempos de Resistir”.
CRESS-17: Deixe sua mensagem para a categoria para o dia do/a Assistente Social
Não basta interpretar o mundo, é preciso transformá-lo, como nos ensinou Marx! Vamos juntas escolher a resistência de diferentes formas, todos os dias temos tarefas nessa direção!
Confiram os materiais citados na entrevista:
Artigo “Reflexões sobre a (des)proteção social das crianças e dos adolescentes cronicamente adoecidos”. Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSocial27_Se%C3%A7%C3%A3o_Livre_Marques1.pdf
Dissertação de mestrado “Entre a Polícia e as Políticas: análise crítico-feminista da Lei Maria da Penha e das Medidas de Proteção de Urgência Judiciais”. Disponível em: http://www.politicasocial.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGPS/detalhes-da-tese?id=11056
Termos de orientação do CRESS 17: http://www.cress-es.org.br/wp-content/uploads/2018/05/CARTILHA-CRESS.pdf
CFESS Manifesta: http://www.cfess.org.br/visualizar/manifesta
Página do Fórum de Mulheres do ES: https://www.facebook.com/forumdemulheres.es/
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