Aborto Legal é Direito! O direito à informação precede grande parte dos acessos aos serviços e às políticas que objetivam, de alguma maneira, diminuir as desigualdades em nosso país. O seu contrário, ou seja, a desinformação, opera em sentido oposto e contribui para o alargamento das desigualdades e das violências, em diversos níveis. Quando o documento do Ministério da Saúde, divulgado em junho/2022, traz como mote “Todo aborto é um crime”, é a serviço da desinformação que ele está. Por isso, em vez de cumprir sua função pública de acesso aos serviços e enfrentamento das violências, atua na contramão dos direitos já assegurados no país.
Esse tipo de desinformação se materializa na vida das pessoas de diversas formas e um exemplo disso é que, no mesmo mês em que o Ministério da Saúde lança o documento “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”, foi denunciada mais uma situação de negação do acesso ao aborto legal, dessa vez a uma menina de 11 anos em Santa Catarina (clique para relembrar o posicionamento do CFESS). Além disso, nesta semana, o país assistiu estarrecido ao estupro de uma mulher pelo médico anestesista durante seu próprio parto em um hospital do estado do Rio de Janeiro, momento em que foi privada de ter acompanhante.
Por isso, precisamos ter um olhar ampliado sobre as diversas violências contra nossos corpos e saúde, no caminho da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, considerando-os como direito humano e questão de justiça social. A autonomia reprodutiva das pessoas que gestam segue sendo violada no Brasil, um país extremamente desigual, onde ainda não alcançamos a legalização do aborto, uma conquista assegurada em países vizinhos, como Argentina e Uruguai, por exemplo. Embora não tenhamos a legalização ampla, temos três permissivos legais: em caso de estupro, risco à vida da gestante e nas situações de anencefalia fetal (esta última, por decisão do STF), ou seja, aborto legal existe e deve ser ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No país, temos alguns serviços de referência de atenção ao abortamento legal. Estes têm sofrido constantes tentativas de desmonte.
Os documentos do Ministério da Saúde (MS) deveriam servir para orientar profissionais e população usuária de forma transparente acerca dos fluxos de atendimento, procedimentos, garantindo cuidado em saúde e ampliação do acesso aos direitos. Contudo, na Cartilha do MS intitulada “um guia para apoiar profissionais e serviços de saúde quanto às abordagens atualizadas sobre acolhimento e atenção qualificada baseada nas melhores evidências científicas e nas estatísticas mais fidedignas em relação à temática, sempre levando em conta a defesa das vidas materna e fetal e o respeito máximo à legislação vigente no País”, constatamos que ela segue o caminho oposto, trazendo desinformação e orientações que não seguem as evidências científicas respaldadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ademais, o guia traz uma narrativa de criminalização das pessoas, tanto as que gestam quanto as que vão atendê-las, difundindo medo e desinformação, o que pode confundir, trazer insegurança técnica ou jurídica aos/às profissionais de saúde que atenderão meninas e mulheres que possuem direito assegurado em lei. Sobre as questões das orientações práticas profissionais obsoletas, sugerimos acessar a Nota da Rede Médica pelo Direito de Decidir – Global Doctors for Choice Brazil e Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras.
A Anis – Instituto de Bioética recomenda aos/às profissionais da saúde que continuem seguindo o que está estabelecido nas leis brasileiras, combinado à interpretação do que designam as melhores evidências em saúde. Afirmam que, “por não serem normas legais submetidas ao rito legislativo, o direito brasileiro não confere a documentos como esse o poder de limitar cuidados em saúde”. Diante da ausência de orientações confiáveis e atualizadas por parte do Ministério da Saúde, “profissionais de saúde podem e devem utilizar as melhores evidências e práticas, como determinam seus compromissos ético-profissionais e exige a lei brasileira”.
Os documentos acima citados já realizam contraposição às desinformações constantes nesse guia. Como Conselho Federal de Serviço Social, que regulamenta a profissão no Brasil, nos deteremos, principalmente, no trecho do documento que se refere ao que cabe aos/às profissionais de saúde mental e Serviço Social: “• Prestar apoio emocional imediato e encaminhar, quando necessário, para o atendimento continuado em médio prazo; • Reforçar a importância da mulher, respeitando o estado emocional em que se encontra, adotando postura autocompreensiva, que busque a autoestima Identificar as reações do grupo social (famílias, amigos, colegas) em que está envolvida; • Perguntar sobre o contexto da relação em que se deu a gravidez e as possíveis repercussões do abortamento no relacionamento com o parceiro; • Conversar sobre gravidez, menstruação, planejamento familiar” (p. 33).
Primeiramente, cabe salientar que algumas tarefas, designadas como atribuições também de assistentes sociais, confrontam-se com concepções teórico-políticas da profissão, construídas historicamente pelo Serviço Social brasileiro. As orientações do Ministério da Saúde entram em matéria de competência exclusiva do CFESS, contrariando a disposição do artigo 8º da Lei 8662/93, na qual está previsto ser de competência do CFESS a normatização acerca do exercício profissional do/a assistente social. O Ministério da Saúde não possui papel normatizador em relação às profissões regulamentadas por lei, não podendo impor a estas o cumprimento de qualquer regra ética e técnica vinculada ao exercício profissional, ou mesmo não podendo interferir ou limitar a autonomia técnica do/a assistente social, ao executar a sua atribuição profissional.
Cabe ao Serviço Social trabalhar na intermediação do acesso aos direitos, no enfrentamento das barreiras que se impõem no cotidiano dos serviços de saúde. Atuar em direção à ampliação de possibilidades de escolha, reafirmando a autonomia das mulheres e não trazendo confusões ou maiores restrições, diante de uma legislação já extremamente restritiva. Assistentes sociais atuam no acolhimento integral das demandas trazidas pela população usuária, não devendo se basear em opiniões de cunho moral conservador, nem em posturas investigativas controlistas e policialescas.
Além disso, compete à/ao assistente social pautar sua intervenção técnica em pressuposto ético de “reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”. Nesse sentido, o acolhimento das meninas e mulheres em situação de abortamento por assistentes sociais deve prestar informações de qualidade, desconstruir mitos sobre o processo de abortamento, a fim de subsidiar a decisão autônoma das mulheres, meninas e pessoas que engravidam.
Diante dos argumentos apresentados, solicitamos que o documento “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” seja revogado, pois seus argumentos mais desinformam a população do que subsidiam tecnicamente o trabalho em defesa dos direitos humanos.
O CFESS assinou a manifestação junto às entidades da sociedade civil, com pedido de adiamento da audiência pública realizada no dia 28 de junho de 2022, e pela revogação do documento citado acima.
Além disso, o CFESS permanece debatendo outras providências, divulga hoje a mobilização Ocupa Congresso pela vida das mulheres e meninas e traz recomendações e ações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e entidades da saúde.
Conheça as recomendações:
RECOMENDAÇÃO Nº 016, DE 30 DE JUNHO DE 2022 – Recomenda ações sobre possíveis infrações éticas e disciplinares relacionadas à conduta da Juíza Joana Ribeiro Zimmer e da Promotora de Justiça Mirela Dutra Alberton.
RECOMENDAÇÃO Nº 017, DE 30 DE JUNHO DE 2022 – Recomenda a revogação do manual “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento” do Ministério da Saúde.
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Entidades acionam STF para suspender guia antiaborto do Ministério da Saúde
Texto e Imagem: CFESS
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