Com 700 participantes de todo o Brasil, dentre assistentes sociais, estudantes de Serviço Social e profissionais de outras áreas, e permeado por diversas intervenções culturais, terminou nesta sexta-feira (9) o 2º Seminário Nacional Serviço Social e Direitos Humanos, em Salvador (BA). Pela internet, o evento teve mais de mil visualizações, mostrando a participação e compromisso de assistentes sociais em todo o país na luta em defesa dos direitos humanos. E a categoria bradou em conjunto: “Racistas não passarão!”.
Confira como foi o primeiro dia
A manhã do último dia de evento iniciou com a mesa Pra assumir nossas raízes, é preciso ter coragem – A condição das mulheres negras no Brasil (nome da mesa inspirado na música Identidade, de Alessandra Crispin). A historiadora e militante da Rede de Mulheres Negras do Rio de Janeiro Wania Sant Ana abriu o debate, destacando que a arte é uma arma poderosa contra o racismo. “A comunidade negra neste país tem feito arte e cultura contra o racismo desde que aqui chegou, para lutar contra o preconceito e a opressão. Uma das dificuldades de nossa sociedade é aceitar que pessoas negras são seres humanos e criam” ressaltou Wania.
Ela também trouxe dados do Atlas da Violência 2017 (Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança) de que 75% das vítimas de homicídios no país são negras. “E quando citamos dados como este, não se trata de competição. O que queremos é fazer que a sociedade veja que qualquer morte é morte e que estamos lutando por humanidade. É preciso ter coragem pra mudar conceitos e a percepção das pessoas de que o povo negro quer e vai viver!”, completou a historiadora.
Wania Sant Ana afirmou que a comunidade negra tem feito arte e cultura contra o racismo desde que chegou ao Brasil (Rafael Werkema/CFESS)
Para a deputada federal e historiadora Talíria Petrone, a situação da pessoa negra no Estado brasileiro é, ao mesmo tempo, “de dor e potência, com tambor, com luta, com força, com cultura, com poder”. Segundo a parlamentar, o Brasil vive hoje uma cruzada contra o humanismo. “Se essa democracia é ainda muito frágil, precisamos dizer em voz alta que o mito da democracia racial foi produzido por causa da violência sexual contra mulheres negras, pois estamos ocupando espaços onde antes não chegávamos, mas hoje somos as maiores vítimas desse crime no país”, enfatizou Petrone.
Ela ressaltou ainda o retrocesso democrático vivido pelo país, citando exemplos recentes, como o recém-lançado programa Future-se, do Ministério da Educação. “Essa estratégia foi lançada, porque a universidade pública está mais preta, mais popular, fruto da luta do povo. É impossível a emancipação humana, sem que a gente enfrente o racismo. Porque senão somente alguns corpos serão emancipados, e essa emancipação não nos interessa”, concluiu a deputada.
Talíria Petrone alertou que o Future-se, do governo federal, é um ataque à educação superior, que está mais popular e preta (Rafael Werkema/CFESS)
Assistentes sociais negras alertam a categoria nos debates da tarde
A mesa da tarde, Minha voz uso pra dizer o que se cala – Assistentes sociais no combate ao racismo (nome inspirado na música Lugar de fala, de Elza Soares), reuniu assistentes sociais negras para refletir e provocar os/as profissionais sobre seu papel nessa tarefa que é uma dívida histórica da sociedade brasileira. A primeira a falar foi a assistente social da Fiocruz Roseli Rocha, que ressaltou o evento como um espaço de denúncia e para se pensar ações de combate ao racismo, coletivamente com outros/as profissionais e o movimento negro. Ela retomou diversas expressões do racismo que haviam sido destacadas nas mesas do evento e enfatizou a necessidade de trazer a cultura como elemento presente “nos nossos instrumentos institucionais de trabalho” e também de observar e alterar a própria linguagem para a desconstrução do racismo institucional. “O desafio de combater o racismo passa pelo cotidiano profissional, dentro dos espaços sócio-ocupacionais, em aliança com outras categorias profissionais, e também na formação. Precisamos estar atentos/as para enfrentar essa avalanche de conservadorismo, de retirada de direitos. Estamos lutando contra algo que também nos coloca como alvo”, observou a profissional.
Roseli Rocha disse que desafio de combater o racismo passa pelo cotidiano profissionalnos espaços sócio-ocupacionais (Rafael Werkema/CFESS)
Para a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Magali Almeida, a proposta de nação dos movimentos negros não tem prevalecido. E por que isso acontece? “Nosso desafio é de nos reinventar e lutar contra este projeto que vem desde os tempos coloniais, no sentido de seguirmos com base na coletividade da terra e na distribuição coletiva da riqueza”, enfatizou.
A professora, que falou das expressões históricas do racismo institucional e sua presença entre as práticas profissionais, destacou que o combate ao racismo pela categoria de assistentes sociais é um princípio ético. “Estamos nos movimentando, incidindo na contradição expressa na relação gênero, raça e classe, e ampliando estrategicamente, o que outras companheiras fizeram antes de nós: jamais ficamos e ficaremos inertes às violências que nos atingem cotidianamente enquanto negras e negros”, concluiu Magali.
Magali de Almeida fez um histórico do debate da questão étinico-racial no Conjunto CFESS-CRESS (Rafael Werkema/CFESS)
Também à mesa, a presidente do CFESS, Josiane Soares, relembrou que o debate e o enfrentamento do racismo no Conjunto CFESS-CRESS é histórico. Destacou instrumentos já produzidos, como edições do informativo CFESS Manifesta (acesse aqui); os cadernos Assistente social no combate ao preconceito (clique para conhecer); a Agenda Assistente Social 2019; dentre outros.
“A gente tem feito nosso papel, seja em nossas inserções, seja nos materiais que lançamos, para ressaltar que este é um tema do qual precisamos falar. Trata-se de uma luta que é parte permanente da nossa agenda. A campanha Assistentes sociais no combate ao racismo é mais uma estratégia para fortalecer essa direção intransigente contra o racismo”, informou a conselheira do CFESS, que fez também uma síntese das ações da campanha nos últimos dois anos.
A presidente do Conselho Federal enfatizou ainda que a pauta étnico-racial estará presente no 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (clique aqui e veja como participar). O evento, que ocorrerá de 30 de outubro a 3 de novembro em Brasília (DF), e dentre as atividades previstas está um ato com entidades do movimento popular e dos/as trabalhadores/as brasileiros/as, com centralidade na pauta de combate ao racismo e a exposição com o material produzido ao longo da campanha do triênio. “Incorporar como tarefa nossa essa discussão e pautá-la nas instituições em que atuamos, nos espaços em que atuamos é urgente. Nada será feito sem que a gente dê visibilidade a isso, produzindo aliados/as para esta luta, que é de todos/as!”, acrescentou Josiane Soares.
A presidente do CFESS Josiane Soares falou da campanha de gestão Assistentes Sociais no Combate ao Racismo (Rafael Werkema/CFESS)
Evento termina com desafios e convida categoria a refletir
Na mesa de encerramento, a conselheira do CRESS-BA Tatianne Freitas relembrou o princípio do Código de Ética do/a Assistente Social, de defesa intransigente dos direitos humanos. “É com esse pressuposto que a luta contra o racismo, para nós, não é uma alternativa, é o único caminho a seguir”, afirmou.
A conselheira do CFESS Mauricleia Soares enfatizou a necessidade de aprofundamento dos assuntos debatidos, destacando a dimensão militante, ética e profissional do combate ao racismo. “Este seminário teve como objetivos a discussão e a aproximação junto aos movimentos sociais e outros atores que fazem parte dessa luta. Isso nos fortalece e renova a disposição para fazer o debate com segurança e compromisso”, finalizou a conselheira.
Mesa final de debates do Seminário (Rafael Werkema/CFESS)
Seminário contou com apresentações que valorizaram a cultura e arte negras (Rafael Werkema/CFESS)
Participantes fizeram interveções e perguntas durante o Seminário (Rafael Werkema/CFESS)
Texto e Imagens: CFESS.
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