O Conselho Regional de Serviço Social – 17ª Região Espírito Santo, por meio da Comissão de Ética e Direito Humanos, vem a público manifestar repúdio às violências sofridas por uma menina de 10 anos que resultou numa gravidez, no Norte do Estado do Espírito Santo. De acordo com as notícias veiculadas, a criança sofreu estupros desde os seis anos de idade pelo seu tio, que foi detido nesta terça-feira, dia 18 de agosto. Repudiamos a recusa do Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes – HUCAM em prestar atendimento à menina, mesmo após decisão judicial que referendava seu direito legal. A recusa infundada e sem amparo nos protocolos de saúde por parte do hospital fez com que a vítima fosse levada para outro Estado e exposta a ainda mais violações. É importante ressaltar que esse direito é garantido há 80 anos pelo Código Penal Brasileiro.
Importante reforçarmos, ainda, as garantias à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que ainda prevê, no Art. 5º, que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Neste caso, ressaltamos, ainda, que o Estado ao “avaliar a gestação” colocou em risco a vida da criança. É indiscutível que vítimas de situações como essa têm o direito ao ABORTO LEGAL, SEGURO E GRATUITO! E como se tratava de uma criança de apenas 10 anos, essa gravidez representava um risco real e iminente à sua vida. Tal procedimento dependeu de autorização médica e judicial, o que demonstra que, ainda que haja a lei para garantir o direito ao procedimento em determinados casos, na prática, encontramos percalços burocráticos e julgamentos morais para o cumprimento.
O aborto legal é permitido no Brasil nos seguintes casos: violência sexual, gravidez que ameaça a vida da mulher e se o feto for anencéfalo. Nestes três casos é facultativo a mulher realizar ou não o procedimento. Para isso existem legislações e normativas do Ministério da Saúde para fundamentar o processo de abortamento legal, seguro e gratuito (alguns estão disponíveis no final do texto).
Além disso, ainda que a criança tenha apenas dez anos e não tenha o total poder de decisão sobre sua vida, assistimos ao desrespeito a autonomia das mulheres sobre seu corpo. Impor uma gravidez às mulheres é um arbítrio e autoritarismo estatal, institucional e social sobre suas vidas e, nessa situação, trata-se de uma menina de dez anos sofrendo graves violações cronicamente desde os seis anos.
Segundo dados fornecidos ao jornal A Gazeta, pela Secretaria Estadual de Saúde –SESA, cerca de 157 meninas entre dez e quatorze anos ficaram grávidas, de janeiro à julho de 2020. Essas informações alarmantes denunciam a condição de desproteção social causada por ausência de medidas de prevenção à gravidez precoce e à violência sexual infantil, que perpassa pelas políticas públicas, mas, também, de investimentos em educação sexual, tema essencial, amplamente atacado pelos setores ultraconservadores da política e sociedade atual.
O avanço do conservadorismo amplia as situações de risco de morte e traz sérias consequências para a saúde das mulheres, em decorrência de aborto clandestino, e que coloca para o conjunto da sociedade a responsabilidade de debater sobre a descriminalização do aborto. Assistimos neste domingo, dia 16 de agosto, de maneira pavorosa, uma reação violenta por um grupo de pessoas que estiveram na frente do hospital, manifestando-se contrários ao procedimento e acusando a criança, a equipe médica, Assistentes Sociais e familiares de assassinos/as, após a publicização irresponsável e criminosa do nome, dados clínicos da criança e o local em que o procedimento seria realizado. É urgente que sejam investigados e punidos os responsáveis pelo vazamento das informações sigilosas do caso. Além disto, prestamos nossa solidariedade à família, a equipe médica e às Assistentes Sociais que acompanharam o caso e que tiveram sua imagem questionada pejorativamente por grupos conservadores, em ataques infundados que tenham ferido as profissionais e toda a categoria de assistentes sociais no exercício e cumprimento de seus deveres éticos e políticos.
Os/as assistentes sociais possuem relevância no atendimento a mulheres e crianças em situação de abortamento. Pela sua capacidade técnica e ética, de uma escuta qualificada e orientações sobre o acesso ao direito previsto pela legislação brasileira. Deste modo, temos o dever ético de garantir a plena informação; respeitar as decisões dos/as usuários/as, mesmo que sejam contrárias aos valores e crenças individuais dos/as profissionais; resguardando o nosso exercício profissional em conformidade com o Código de Ética Profissional dos/as assistentes sociais, de 1993.
A Gestão “É Preciso Estar Atenta e Forte” avalia que se torna imperativo aprofundar o debate ético sobre os temas de estado laico, liberdade de consciência, liberdade religiosa e fundamentalismo religioso, relacionando à incompatibilidade de se recorrer à expressão de religiosidade no exercício profissional em espaços em que são previstos o abortamento legal e seguro.
O aborto legal e seguro se refere a dimensão da ética e da liberdade, em contraposição ao fundamentalismo religioso e às expressões da sociabilidade patriarcal. O caso nos coloca a responsabilidade de dialogar sobre a vida concreta das mulheres, o acesso delas aos serviços de saúde e assistência, e nossa atuação profissional como assistentes sociais na relação de garantia dos direitos sociais, sexuais e reprodutivos das mulheres.
Reafirmamos, ainda, nosso posicionamento favorável à legalização do aborto, a partir dos princípios éticos da profissão, considerando-o enquanto questão de saúde pública e como direito sexual e reprodutivo das mulheres. Ratificamos a defesa por um Estado laico! E que possamos coletivamente qualificar e ampliar o domínio da categoria acerca da função social da profissão e dos limites éticos de atuação nos espaços sócio-ocupacionais.
Reafirmamos, também, que as mulheres precisam ser respeitadas em seu direito de decidir ou não sobre a interrupção de uma gravidez e que os serviços de saúde possam ser efetivos, tanto no acompanhamento da gravidez para as mulheres que desejam ter filhos, quanto na interrupção para as que não optarem por esta escolha por terem sido violentadas ou não.
É importante lembrar que essas afirmações são frutos históricos de defesa da classe trabalhadora. E que, para a nossa categoria, estão adensadas nas Bandeiras de Lutas, construídas coletivamente e que retratam a direção ético-política afirmada pelo Serviço Social brasileiro em sua trajetória; e contribuem para sustentar a nossa potencialidade social de transformar essa realidade.
Como conselho profissional de uma categoria que atua diretamente em serviços públicos e privados em que são realizados os procedimentos de abortamento legal e seguro, compreendemos, mais uma vez, a necessidade de visibilidade das discussões acumuladas no âmbito do Serviço Social sobre o tema, abordando o trabalho de assistentes sociais, o cotidiano das mulheres e a luta do Conjunto CFESS-CRESS pela legalização do aborto.
Documentos:
CFESS lança novo manifesto e vídeo, com debate sobre o trabalho profissional e a questão do aborto
Mais de 150 meninas com até 14 anos ficaram grávidas no ES, em 2020
Decretos, Leis e Portarias:
Norma Técnica sobre Atenção Humanizada ao Abortamento
Outros decretos disponíveis em https://www.saude.gov.br/o-ministro/950-saude-de-a-a-z/violencia-e-acidentes/17259-decretos-violencia-e-acidentes
Além da decisão do Superior Tribunal Federal, em que compreende o aborto legal, seguro e gratuito
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