05 de novembro: 05 anos do crime ambiental em Mariana (MG) | CRESS-17

05 de novembro: 05 anos do crime ambiental em Mariana (MG)

05/11/2020 as 8:54

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Há exatos cinco anos, em 05 de novembro de 2015, o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), entrava para a história brasileira e mundial como um dos crimes ambientais, sociais e econômicos mais devastadores. A lama de rejeitos tomou conta da cidade mineira, matou 19 pessoas, intoxicou o Rio Doce e contaminou toda sua extensão até chegar à região de Regência, onde as águas intoxicadas do rio avançaram pelo mar e ocupando, assim, o litoral capixaba.

Milhares de famílias que moram nas cidades cortadas pelo Rio Doce, e que dependem diretamente do Rio para sua sobrevivência, foram prejudicadas. Pesca, plantio, banho, turismo, consumo da água… Tudo foi impactado! E, mesmo cinco anos depois, essas famílias ainda sofrem com as consequências desse crime.

Para saber mais sobre a situação atual dessas famílias, e dos desdobramentos relacionados ao crime e seu julgamento, assim como no atendimento às vítimas, ação que vem sendo tocada pelo Renova (instituição criada pelas empresas Samarco, Vale e BHP; responsáveis pelo rompimento da barragem); o CRESS-ES conversou com Rafael Portella, defensor público do Espírito Santo e coordenador do Núcleo de Atuação em Desastres e Grande Empreendimentos (NUDEGE); e com João Paulo Lyrio Izoton, participante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), mestre em Ciências Sociais e morador de Regência, em Linhares (ES).

O NUDEGE, como explica Portella, tem a atribuição de atuar no contexto do desastre do Rio Doce. “Atuo no caso desde o rompimento no atendimento às comunidades capixabas atingidas. A partir de ferramentas de mobilização e engajamento comunitário, conscientização a respeito dos seus direitos e construção de estratégias em conjunto, a Defensoria Pública atua para que haja o reconhecimento das comunidades enquanto atingidas pelo desastre a terem acesso ao processo de reparação, seja em questões relacionadas à indenização como, também, outros direitos como acesso à água potável, segurança alimentar, saúde, acesso à informação, participação social, dentre outros”, conta o defensor público.

João Paulo, por sua vez, está na luta direta pelos interesses dos atingidos por barragens. “Eu fui atingido em Regência, local onde morava em 2015. Nos anos de 2016 e 2017 fiz uma pesquisa com outros colegas, financiada pelo Greenpeace, sobre os impactos sociais da lama em Regência, Povoação e Areal – comunidades da foz do Rio Doce. Foi quando em, 2017, eu me juntei ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)”, recorda.

Confira a entrevista a seguir. Boa leitura!

Como as famílias atingidas pelo crime ambiental, ocorrido em Mariana, estão vivendo hoje?

Rafael Portella – A situação das comunidades ainda é muito crítica. Em recente recomendação que expedimos junto com o MPF, MPMG, DPMG e DPU, fizemos um balanço dos problemas do processo de reparação e questionamos a publicidade que a Renova promove para mostrar uma situação muito distante da realidade. Mas, para ilustrar, ressalto que estimamos ainda aproximadamente 150 mil pessoas que aguardam uma resposta da Fundação Renova (criada para promover ações de reparação). Pouco mais de 30 mil pessoas foram indenizadas em 05 anos. Fora o atraso generalizado em todos os outros programas. Não há medidas efetivas para a saúde dos atingidos, para a assistência social. Não há segurança no consumo de água ou de pescado, ainda, muito menos a restruturação da economia dessas comunidades. Temos um longo caminho pela frente ainda.

Mais informações: http://www.defensoria.es.def.br/site/index.php/2020/10/30/dpes-e-instituicoes-dejustica-elaboram-recomendacao-para-retirada-e-retificacao-de-propagandas-darenova-sobre-o-desastre-do-rio-doce/

João Paulo – Hoje a situação não se encontra muito melhor do que nos anos imediatamente seguintes, apesar da Renova fazer muita propaganda sobre as condições do Rio, da água e dos peixes; no geral, todos seguem muito desconfiados do que ela anuncia. A água oferecida às populações continua de péssima qualidade, a pesca que era a atividade mais importante não voltou, e o turismo segue refém de iniciativas da própria Renova, custeando eventos, por exemplo. Então, de certa maneira, as comunidades continuam meio paradas no tempo, sem muita perspectiva de futuro.

Há algum apoio ou ajuda por parte do Estado?

R.P. – A função do Estado, nesse processo, aqui englobado com União, Estados e Municípios, ficou muito vinculado ao sistema criado para fiscalizar a Fundação Renova a partir de uma instância colegiada denominada Comitê Interfederativo. O que percebemos é que esta estrutura é extremamente lenta e limitada, não conseguindo fazer frente aos interesses das empresas. Ao privatizarmos a gestão do desastre para uma fundação, delegou-se a ela a efetivação de políticas públicas, que são de competência do Estado, como saúde e assistência social. O resultado é a ausência dessas ações nas comunidades.

J.P. – Na verdade, o Estado também está, junto aos atingidos, na fila por dinheiro da Fundação Renova. Vários convênios foram firmados entre entes federativos e Renova, para iniciativas que vão desde o asfalto de Regência e Povoação, até um “Museu da Lama”, em Regência. A exemplo do dinheiro gasto pela Fundação, consigo mesma, esse gasto também tem pouca transparência ou discussão com as comunidades atingidas que, na nossa compreensão, deveriam ser as verdadeiras protagonistas do processo de reparação.

Os responsáveis pelo crime estão atendendo às reivindicações dessas famílias?

R.P. – Entendo que não. O processo de reparação está muito aquém do minimamente necessário para trazer dignidade às famílias atingidas. Outro exemplo: no desastre de Brumadinho (MG), temos aproximadamente 105 mil auxílios financeiros emergenciais para os atingidos pelo rompimento da barragem da Vale. No desastre do Rio Doce, temos 10.324 famílias recebendo o auxílio, em cinco anos.

J.P. – Em sua maioria, não. Apesar de terem feitos muitos cadastros, e a Renova anunciar na sua propaganda que já gastou muito com indenizações, por exemplo, a maioria teve seus direitos negados. Os indígenas tupiniquins, das aldeias Córrego do Ouro e Comboios, ocuparam os trilhos do trem que cortam a aldeia no último dia 27 de outubro com uma solicitação de reabertura de cadastro – para os núcleos familiares que se formaram com a saída de jovens da casa dos pais, casamentos, etc – e não foram atendidos. No dia 02 de novembro, de noite, eles bloquearam a ES 010. Se está ruim para os indígenas, que têm órgãos e legislação próprias, para os demais atingidos a situação segue muito mais complicada.

E a Justiça?

R.P. – Em 2020, vemos um forte movimento das empresas e da Fundação Renova de levarem todas as discussões para o Poder Judiciário, numa tentativa de obstaculizar o acesso a direitos garantidos em acordos (como é o caso da assessoria técnica); como também reduzi-los, como tem se dado, por exemplo, na discussão sobre o encerramento ou não do cadastramento de atingidos ou na tentativa de reverter o reconhecimento do litoral do Espírito Santo como área atingida.

Hoje, quais são os entraves que existem para que haja justiça a favor das famílias atingidas pelo crime ambiental?

R.P. – Existem inúmeros entraves, mas todos apontarão para o cerne do problema: o monopólio da gestão do desastre nas mãos das empresas Samarco, Vale e BHP, a partir da atuação da Fundação Renova. Em 2016, com a formalização do TTAC, entregou-se às empresas o poder de dizer quem é e quem não é atingido, excluindo as comunidades e o próprio Poder Público de qualquer papel na identificação dos danos. Para quebrar esse monopólio as instituições de Justiça lutam pela participação das comunidades no processo de reparação e pela efetivação do direito de assessoria técnica; que significa, resumidamente, o direito das comunidades contarem com estudos autônomos e independentes para levantar os prejuízos que tiveram e que decorrem do desastre. Quebrar esse paradigma é fundamental e o principal desafio, atualmente.

J.P. – O principal obstáculo para que se haja justiça é a própria Justiça. O instrumento dos Termos de Ajuste não é eficaz para punir culpados – pelo contrário, é um instrumento de isenção de culpa. A falta de fiscalização do cumprimento do acordado, seja no primeiro TAC firmado pelas mineradoras seja nos seus ajustes, com certeza é uma falha do Estado Brasileiro, que permitiu as empresas criminosas tomarem conta da situação, identificando, medindo e reparando apenas aquilo que julgam conveniente.

Saiu na imprensa, recentemente, uma informação, de que apenas 17% das ações envolvendo o Renova tiveram êxito. Além disso, milhares de atingidos deixaram de receber o auxílio. O que está sendo feito para alterar essa situação? Tem informações sobre isso?

R.P. – São inúmeras frentes, sejam as que ficam mais a cargo dos colegas que atuam em MG, com judiciais ou extrajudiciais, sejam as que temos atuado para impedir que a Fundação Renova e as empresas suprimam direitos dos atingidos, buscando a manutenção dos auxílios financeiros, a aceleração do processo indenizatório, bem como a efetivação do direito de assessoria técnica. Entretanto, a postura intransigente das empresas tem alongado discussões judiciais e atrasado, ainda mais, o processo.

J.P. – Da parte do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), trabalhamos com informação e formação para o povo. É importante mostrar nas comunidades que esse não é um movimento isolado, causado, às vezes, pela incapacidade do atingido em responder um questionário da forma certa ou de ir aos lugares certos para cobrar os seus direitos. Além da atuação da Defensoria Pública do Espírito Santo e da Força Tarefa do Ministério Público Federal, este parece um problema que move poucos homens públicos do Estado, seja no ES, seja em Minas Gerais, seja no Brasil como um todo.

Atualmente, ainda há risco de mais barragens serem rompidas, pelo país? Temos o risco de mais tragédias, assim como de Mariana e de Brumadinho?

JP – Sim. Existem várias barragens, como a localizada no Município de Barão de Cocais (MG), que estão instáveis, o que força a comunidade a ter um protocolo estabelecido de fuga para zonas de salvamento. Volta e meia as sirenes de alerta tocam, em especial nos tempos chuvosos, como o que temos atravessado.

Houve algum avanço, em nosso país, nas fiscalizações das barragens, assim como na punição dos responsáveis de crimes ambientais?

J.P. – Muito pouco. Na verdade, em especial após Brumadinho (MG), houve uma força tarefa para identificar as barragens em risco. O que se constatou é que muitas assim estão. As que são geridas por grandes empresas, como a Vale, ganharam alguns protocolos de controle e monitoramento, como as sirenes, as indicações das zonas de auto salvamento, etc. Mas ainda existem barragens em risco que não possuem nada disso. Sobre a punição sobre crimes ambientais, o Espírito Santo tem expertise: tradicionalmente, as multas da Vale são perdoadas e a ausência de condenação para os executivos e diretores da Samarco são a prova nítida que, para a sociedade capixaba, o crime compensa. O Ricardo Vescovi, diretor presidente da Samarco, nunca foi punido; pelo contrário, foi contratado pela FINDES com o mesmo salário de executivo que recebia antes do crime que é responsável. Então não é que ele não tenha sido punido, ele foi, na verdade, premiado – pelos mesmos que deram vários prêmios de “líder empresarial” dos anos que antecederam ao crime, onde o baixo preço do minério foi compensado com o aumento da exploração e do risco à segurança, pela Samarco.

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