As relações sociais e suas teias de complexidades têm ficado em evidência nas últimas décadas, ressaltando a diversidade humana tantas vezes esquecida e subtraída dos livros de história, da construção das políticas públicas e dos diálogos entre gestores, sejam eles públicos e/ou privados. Fato que requisita uma verdadeira revolução no trato e na convivência, mudanças que vão para além da necessária transformação econômica, capaz de viabilizar igualdade no acesso e na partilha dos bens e da produção humana.
Essas transformações referem-se à centralidade que a diversidade humana e a ineliminável ética a ela ligada devem assumir não só nas relações pessoais e no respeito mútuo, mas também na forma que nos organizamos como sociedade, em como o poder público pensa e propõem ações nos territórios, nas cidades, nos estados, no país, e em como as instituições e seus aparatos legais entendem e asseguram a equidade necessária à própria vivência. Essa revolução nas relações e sua necessidade nos fazem colocar na ordem do dia as diferentes opressões a que as populações foram e ainda são submetidas, numa espécie de tentativa violenta e frustrada de tornar homogêneo aquilo que natural e socialmente é a riqueza do ser humano: sua diversidade. E é nesse movimento que identificamos as relações geracionais.
Entre as limitações violentas impostas às pessoas devido às suas singularidades está a opressão geracional, que em muitos casos serve como definidor de destinos, aprisionando sonhos e reproduzindo desigualdades. A forma como cada sociedade lida com as infâncias, adolescências e juventudes é muito peculiar, tem relação com tantas outras questões culturais e sociais transversais, mas é fato que essas regras societárias têm impactos severos na convivência entre as idades, na forma de viver a vida, assim como na própria reprodução das relações sociais e no movimento da história. As relações entre as gerações precisam ser transformadas para que elas se realizem de forma a trazer ganhos e evoluções que somente o novo é capaz de impulsionar.
Mas, ao contrário, o que pauta as relações entre as gerações não é a sua evidente potencialidade, mas a manipulação desmedida, a força, a violência, a castração de sonhos e de expectativas partindo das gerações mais velhas para com as mais novas, especialmente se agregarmos transversalmente às idades outras tantas singularidades como as questões étnico-raciais, de gênero e de classe social. Entender e acolher as diferenças e, entre elas, as que se referem às idades, é entender que uma sociedade que deseja caminhar para a emancipação humana deve revolucionar suas relações em busca de uma ética universal, que não faz restrições, mas orienta as relações de forma geral e específica, ao mesmo tempo, numa mediação que tem na qualidade ontológica do ser a sua fundamentação.
Dito isso, faz-se necessário explicitar o porquê utilizamos as categorias criança, adolescência e juventude no plural. Isso expressa um posicionamento político, tendo em vista o reconhecimento da diversidade humana, compreendendo a pluralidade das experiências desse público, ou seja, suas condições sociais, econômicas, raciais, étnicas, religiosas, culturais, de gênero e de orientação sexual.
Mas qual a relação deste debate com o Serviço Social? Como assistentes sociais, não podemos perder de vista os princípios éticos da profissão quanto ao reconhecimento da liberdade nem a defesa irrestrita dos direitos humanos, do pluralismo, da ampliação da cidadania e da democracia, entre tantos outros, os quais nos implica estarmos atentas/os e fortes quanto ao movimento da realidade e isso inclui também o movimento das juventudes na sociedade.
Considerando essa diversidade conferida ao gênero humano, neste caso aos jovens, vale destacar as expressões políticas e de resistência social explicitadas pelas juventudes neste início de século que apresentam continuidades e rupturas com as experiências pregressas, especialmente com as formas de participação institucionalizadas. Essas expressões do tempo presente desafiam o Estado e a sociedade a reconhecê-las como potências, ainda que se revelem, em muitos casos, como formas de participação embrionárias, difusas ou fluidas.
Nesse sentido, ao atuarmos com a população jovem, ou na proposição e implementação de políticas sociais voltadas a essa população, é fundamental reconhecermos as formas contemporâneas que suas demandas e anseios são aglutinados, mobilizados e publicizados para, com isso, criarmos uma conexão com os universos das juventudes e, a partir daí, validarmos suas questões, linguagens, culturas e demandas para a incorporação desses elementos nas diversas requisições profissionais junto e para este grupo em sua diversidade.
Nesse sentido, chamamos a atenção de Assistentes Sociais para reconhecerem, valorizarem e impulsionarem tanto as formas tradicionais de participação (como o movimento estudantil e os conselhos de direitos), quanto os coletivos e agrupamentos diversos que insurgem dos territórios das juventudes e que atuam motivados tanto por demandas sociais quanto culturais (que podem se mesclar), a depender da configuração desses espaços, os quais, não necessariamente, obedecem aos ritos e procedimentos formais de ação e organização sociopolítica tradicionais.
Afinal, vale lembrar que duas relevantes revoltas populares de proporção nacional, que ocorreram nos últimos anos, foram impulsionadas pelos jovens de coletivos e independentes, quais sejam: as Jornadas de Junho de 2013 e as Ocupações de Escolas em 2016. Este deve ser um dado da realidade a ser considerado para as análises profissionais, pois, pela ousadia irradiada, revigorou valores aliados à luta social, assim como afetou a luta de classes no país.
Há uma efervescência de iniciativas das juventudes periféricas e negras, das mulheres jovens, das/dos estudantes do ensino médio e superior e de jovens articuladores/as sociais, culturais e ambientais, que, muitas vezes, não são notadas como potências pelos diversos setores da sociedade, como a família, a escola, os conselhos de direitos, as câmaras municipais, os projetos e as políticas sociais.
Tudo isso tem forjado uma dinâmica social que tanto aparta as juventudes dos processos decisórios, quanto as criminaliza na política, nas ruas, praças e comunidades. Criminaliza as expressões culturais, a forma de vestir, de se colocar e de ser no mundo. O que faz crescer uma violência institucionalizada que tem impactado em mortes das juventudes, em perda de potência humana, fato que pode ser ratificado através dos dados apresentados pelo Atlas da Violência[1] que expôe o aumento de morte violenta de jovens do sexo masculino, em 733% entre 1979 e 2017, no estado do Espírito Santo. A taxa de morte entre 15 e 29 anos no estado é de 62,3% para cada 100 mil habitantes, maior que o índice nacional que está em 60,4%. Ao mesmo tempo, o Atlas da Violência alerta que a morte de jovens negros chega a ser quatro vezes maior se comparada aos demais jovens.
Compreender essa dinâmica social opressora e construir estratégias coletivas de resistência no exercício profissional dos/das assistentes sociais, reconhecendo a diversidade humana, é reafirmar os princípios e valores do nosso Projeto Ético-Político, que representam avanços na defesa da ética e dos direitos humanos para essa categoria a partir da construção de novos paradigmas. Dizer isso não coloca as infâncias, adolescências e juventudes automaticamente em lugar de reconhecimento de suas necessidades pela sociedade e pelo Estado, pensando a garantia dos direitos constitucionais e a priorização do orçamento público para esses segmentos etários, pois esse processo é desenvolvido social e historicamente no campo das disputas de diferentes projetos societários e, evidentemente, dentro da lógica da hierarquia geracional.
No Brasil, as políticas públicas de atendimento a essa população estão concentradas, em geral, nas áreas da assistência social, esportes, cultura, educação e direitos humanos. No Espírito Santo essa concentração se dá nas políticas de assistência social, educação e direitos humanos, tendo organizações específicas nos municípios e, em muitos casos, nenhum espaço para debater essas demandas. Atualmente o governo estadual está no processo de construção do Plano Estadual de Juventudes, bem como vem implementando Centros de Referência Estaduais de Juventudes em diferentes municípios, tanto da região metropolitana quanto do interior. Esse movimento marca historicamente um investimento público para as juventudes não registrado anteriormente, mas alcançado e possível somente por meio de lutas sociais pregressas, que outrora viabilizaram a aprovação do Estatuto Nacional da Juventude, lei 12.852 de 05 de agosto de 2013, que deveria ter sido seguida pela aprovação do Plano Nacional da Juventude, como caminho para efetivação de políticas públicas planejadas, mas esse plano segue ainda sem data para aprovação, e o seu Projeto de Lei é o de nº 4530, de 2004. No cenário nacional ainda persiste uma necessária justificativa da importância de políticas públicas geracionais, em especial pensando nas juventudes, luta que impacta na disputa pelo fundo público, como dito anteriormente.
Nesse processo de constantes disputas para a garantia de direitos, além de todas as questões já pontuadas, precisamos destacar que esse cenário é atravessado por uma pandemia da Covid-19, que coloca mais de 130 mil crianças e adolescentes órfãos, conforme o estudo publicado pela revista científica Lancet, aliada ainda ao aumento da evasão escolar e também do desemprego. A realidade das infâncias, adolescências e juventudes estão sendo impactadas diretamente por essa crise sanitária, sem termos ainda a dimensão do impacto social gerado, que demandará do poder público e da sociedade um planejamento para atendimento dessa nova realidade.
O Serviço Social, mais uma vez, é chamado como uma profissão da linha de frente que trata diretamente das expressões da questão social, a considerar, no seu cotidiano profissional, as especificidades levantadas por essas populações atendidas nas diferentes políticas que compõem os espaços sócio-ocupacionais de intervenção. É nessa direção que seguimos defendendo direitos, inclusive os geracionais, defendendo uma outra sociedade, partindo da defesa de uma outra sociabilidade, que tenha na ética universal sua base e fundamento.
[1] Dados disponiveis em: <https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/filtros-series/2/juventude-perdida>
Texto escrito por Camila Lopes Taquetti, Larisse Nunes e Hingridy Fassarella.
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