A necessidade de aprofundar pesquisas sobre a questão étnico-social | CRESS-17

A necessidade de aprofundar pesquisas sobre a questão étnico-social

25/08/2017 as 4:34

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Suellen Cruz

A questão étnico-racial é aspecto essencial ainda a ser mais profundamente pesquisado e desvendado por acadêmicos e profissionais do serviço social, pois só o debate amplo pode fundamentar uma nova ordem em que se minimize a dominação exploração de classe, etnia e gênero e que determine políticas para enfrentar a estrutura histórica de divisão racial que permeia a sociedade brasileira. Essas são algumas considerações feitas por Suellen Cruz em entrevista sobre o tema. Bacharela em Serviço Social e mestranda no Programa de Política Social da UFES; representante discente em pós-graduação da ABEPSS região Leste; membro do GTP de raça da ABEPSS; e membro da Comissão de Ética e Direitos Humanos e da Comissão de Comunicação do CRESS-ES, ela compôs uma das mesas do evento “O Serviço Social e a Questão Étnico Racial”, realizado nos dias 19 e 20 de junho na UFES (SAIBA MAIS AQUI). Confira a seguir a entrevista.

P: Qual a importância de se debater a questão étnico-racial e o serviço social?

Suellen: Faz-se necessário discutir a questão étnico-racial para fundamentar, principalmente, se as dimensões técnico-operativas da ação profissional seguem um princípio do Código de Ética Profissional quanto à opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero. Entendemos essa necessidade na medida em que a questão étnico-racial também determina qual é a população beneficiária diretamente atendida pelos assistentes sociais no campo das políticas públicas, como é o caso, por exemplo, do Programa Bolsa Família, que conta com 73% dos beneficiários negros, e do Programa Minha Casa Minha Vida, em que 71% são negros.

Ao analisarmos historicamente a divisão racial na sociedade de classes podemos compreender qual a função da discriminação racial na delimitação do lugar do negro na divisão social do trabalho ainda hoje. Neste contexto existem informações que são imprescindíveis para entender a subordinação social dos negros na atualidade, além de demarcar a “questão étnico-racial como elemento estruturante das relações sociais brasileiras, não sendo possível assim tratar a formação social brasileira deixando de fora a história das populações negras e indígenas.” (ROCHA, 2014, p.306)

P: Como a ausência de produção acadêmica e profissional do serviço social sobre essa temática impacta sobre as intervenções do assistente social em uma sociedade em que de há o mito da democracia racial?

S: A questão perturbadora em relação à escassez da temática étnico-racial, principalmente no processo de formação profissional, que é atualmente meu campo de pesquisa, se apresenta sob, pelo menos, três aspectos. O primeiro refere-se ao receio de um retrocesso no processo de fortalecimento do projeto ético-político, que se coloca contra toda forma de opressão e discriminação, visto que o passado de nossa profissão pode se fazer presente na medida em que os processos de disputa podem fortalecer uma visão conservadora e retrógrada. O silêncio sobre os negros nas primeiras produções do Serviço Social (ROCHA, 2014) pode nos dizer sobre a estrutura e a existência de práticas racistas na gênese da profissão, conforme afirma Ferreira: “a subproletarização dos negros (resultado do complexo processo desde a escravidão-abolição até sua periférica inserção nas relações capitalistas) foi sistematicamente sonegada nas elaborações dos primeiros assistentes sociais”. (FERREIRA, 2010, p.12).

Essa preocupação rebate diretamente na atuação prática, na medida em que, ao refletimos sobre a secundarização da temática étnico-racial em detrimento de outras temáticas, concluímos que ainda estamos muito longe do nível que requer o debate acerca das tantas formas de agressão e violações de direitos sofridas pela população negra, ou seja, apesar do significativo aumento de trabalhos aprovados acerca desta temática, as discussões a respeito da questão étnico-racial ainda não alcançaram patamares expressivos no Serviço Social.

O segundo aspecto diz respeito ao alinhamento “a uma perspectiva conservadora de manutenção do status quo e de fortalecimento das estruturas vigentes ainda marcadas pelas desigualdades étnico-raciais” (ROCHA, 2014, p. 300), ou seja, não discutir os processos e situações de violência impostas historicamente à população negra pode acarretar em uma sujeição aos pensamentos conservadores e discriminatórios de forma muito mais acentuada.

Sabemos, entretanto, que ainda que os sujeitos tenham acesso a uma formação crítica e propositiva no que tange às questões étnico-raciais, não significa necessariamente que estes terão a postura também crítica e propositiva que se espera, visto que “no Brasil, o racismo está entranhado nas relações sociais, e o Serviço Social, enquanto instituição profissional não está fora da sociedade brasileira, nem tampouco seus agentes” (FERREIRA, 2010, p. 172). Ainda assim, é necessário que se mantenha uma postura coerente no processo de formação das/os assistentes sociais como parte de um projeto profissional comprometido com a construção de uma nova ordem societária, e que o processo de consolidação do projeto ético-político seja feito na luta travada diariamente.

O terceiro e último aspecto diz respeito ao que afirma Rocha (2014) serem as “brechas para que outros referenciais teórico-políticos, de cunho conservador ou pós-moderno, apropriem-se dessa discussão e ocupem grande parte dos recursos utilizados como instrumento de formação” (ROCHA, 2014, p. 304). Sendo assim, a apropriação da questão étnico-racial pelo Serviço Social, significa inclusive, prevenir que os debates acerca desta temática se façam de forma descolada das relações históricas, sociais e econômicas, como é o caso de muitas correntes teóricas que tentam, ainda hoje, explicar o conceito de raça de forma unicamente biológica.

Para concluir, a certeza que temos é que a transformação da realidade que submete a população negra às inúmeras violências também se fará na transformação das ideias em forças materiais através da ação prática (ROCHA, 2014). Consideramos, assim, que é preciso que nos mantenhamos firmes no combate às explorações e opressões de classe, raça-etnia e gênero.

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Camila. M. O negro na gênese do Serviço Social (Brasil, 1936 – 1947). Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social  da UFRJ. Rio de Janeiro, 2010.

HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. 2ª Ed. Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ. Belo Horizonte, 2005.

IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Situação social da população negra por estado. SEPPIR (Secretaria de Políticas de  Promoção da Igualdade Racial). Brasília: IPEA, 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 05 de junho de 2016.

ROCHA, Roseli da Fonseca. A incorporação da temática étnico-racial no processo de formação em serviço social: avanços e desafios. Tese.  Centro de Filosofia e Ciências Humanas – UFRJ. Rio de Janeiro, 2014.

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