Tramita na Câmara matéria que susta resolução do Conselho Federal de Psicologia, que é contrário à taxação da homossexualidade como doença
Reprodução do manifesto no site do Conselho Federal de Psicologia
Um Projeto de Decreto Legislativo (PDC) de 2011, da Câmara dos Deputados Federais, tem gerado polêmica e preocupado movimentos e entidades em defesa dos direitos humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).
É o PDC 234/2011, do deputado João Campos (PSDB/GO), que susta a aplicação de dois dispositivos da Resolução 1/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que orientam os/as profissionais da área a não usar a mídia para reforçar preconceitos contra a população LGBT nem propor tratamento para curá-la.
No último dia 28 de junho, data em que se comemorou o Dia Mundial do Orgulho LGBT, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara realizou uma audiência pública para discutir o Projeto, mas que segundo o CFP, foi um “falso debate de cunho unilateral”.
A entidade se recusou a participar da mesa e, por meio de nota, manifestou repúdio “à forma antidemocrática com que vem sendo construído o “debate” sobre o Projeto”.
O CFP afirma que a maioria dos/as convidados/as para audiência indicavam posicionamento favorável à suspensão dos artigos da Resolução e não representavam instituições ou lugares de produção de conhecimento que pudessem garantir a necessária pluralidade ao debate, como os movimentos sociais em defesa dos direitos LGBT e o próprio Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT (CNCD), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
O parlamentar autor do Projeto, deputado João Campos, num discurso retrógrado, alegou que propôs um debate “constitucional e jurídico”.
No mesmo dia, a ministra da SDH, Maria do Rosário, durante o anúncio da criação de Comitês Estaduais de Enfrentamento à Homofobia do Governo Federal, defendeu a Resolução do CFP e disse que todas as políticas públicas do governo para assegurar direitos à população LGBT estão em concordância com a normativa, que é contrária a qualquer iniciativa de taxação da homossexualidade como doença, bem como da adoção de práticas clínicas para o seu tratamento.
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), também em nota, manifestou repúdio à Comissão de Seguridade, citando inclusive que a Assembleia Mundial da Saúde, em 1990, retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Para a ABGLT, o Projeto de Decreto Legislativo e respectiva Audiência Pública são propostas de setores fundamentalistas da sociedade brasileira que fazem uso do Poder Legislativo para promover ideais de cunho religioso contrários à homossexualidade e favoráveis à sua patologização”, diz trecho do documento.
Serviço Social repudia o PDC 234/2011 e manifesta apoio ao CFP
Em entrevista ao CFESS, a coordenadora da Comissão de Ética e Direitos Humanos (CEDH/CFESS), Marylucia Mesquita, não poupou críticas ao Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, apontando-o como um grave retrocesso na luta pelos direitos da população LGBT e uma afronta aos direitos humanos. O CFESS repudia o PDC 234/2011 e apóia manifesto do Conselho Federal de Psicologia.
Que significado tem este PDC que tramita na Câmara dos Deputados?
Marylucia Mesquita – Este projeto é uma expressão pública de homofobia, lesbofobia e transfobia institucional. Incentiva a discriminação de uma população que, historicamente, vem lutando para romper com a clandestinidade e ter acesso a direitos. Além disso, o PDC 234/2011 está em pleno desacordo com outras conquistas da população LGBT, como por exemplo, em nível internacional, os “Princípios de Yogyakarta” (2006) e, em nível nacional, o Programa Brasil sem Homofobia (2004), o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (2009), a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT (2010), além da realização de duas Conferências Nacionais, entre outras ações.
Há uma tentativa, com o Projeto de Decreto Legislativo, de se colocar a heterossexualidade como obrigação?
Marylucia Mesquita – Sim, porque mesmo com a retirada da homossexualidade da lista de doenças adotada pela OMS e a posição do Conselho Federal de Medicina e de outros conselhos de profissão, uma parte conservadora, fundamentalista e moralista do Congresso Nacional, com pensamentos e atitudes “medievais”, diz que é possível “curar a homossexualidade”, reproduzindo a heterossexualidade como obrigação, como norma e como a única possibilidade de se orientar o desejo afetivo-sexual. Afirmações como “homossexuais têm direito a terapia de reorientação sexual” geram uma falsa polêmica, pois se não há doença e nem patologia, não há cura e nenhuma necessidade de “reorientação sexual”. A homossexualidade, a lesbianidade e a bissexualidade são orientações sexuais, assim como o é a heterossexualidade. O PDC nega, portanto, a diversidade humana e reproduz a heterossexualidade como obrigação, como norma e como a única possibilidade de se orientar o desejo afetivo-sexual.
De que maneira você vê que a proposta fere a laicidade do Estado?
Marylucia Mesquita – Um Estado que se diz democrático de direito não pode aceitar, reproduzir e promover práticas sociais e institucionais que marginalizem, estigmatizem e levem ao ostracismo pessoas por motivo de orientação sexual e/ou identidade de gênero diferentes do padrão dominante. Sabemos que a laicidade de um Estado é ferida todas as vezes que há interferência de qualquer religião na vida pública. O PDC 234/2011 é nitidamente uma ação moralizante e arbitrária da bancada religiosa fundamentalista do Congresso Nacional.
Que outras questões devem ser levadas em consideração nesse debate?
Marylucia Mesquita – O que nos intriga é por que as perversas consequências da homofobia, lesbofobia e transfobia social e institucional, que se manifestam por meio da violência moral, psicológica, física e, muitas vezes, assassinatos e suicídios, não se constituem objeto da preocupação destes/as parlamentares/as? O que mobiliza esta intolerância? Compreendemos que, dentre outras determinações, o que baseia tal perspectiva é o moralismo conservador e fundamentalista, que empobrece o gênero humano de suas múltiplas potencialidades e nega a dimensão histórica da sexualidade humana. Por isso, o CFESS repudia veemente o PDC 234/2011 e manifesta apoio ao Conselho Federal de Psicologia.
A coordenadora da CEDH/CFESS, Marylucia Mesquita, fez críticas ao Projeto (foto: Rafael Werkema)
Um pouco mais da luta do Serviço Social pelos direitos da população LGBT
Não faltam instrumentos teórico-político-normativos do Conjunto CFESS-CRESS em relação à defesa dos direitos da população LGBT. A começar pelo Código de Ética do/a Assistente Social, que traz princípios em defesa da liberdade, autonomia, diversidade da pessoa humana, e de luta contra a discriminação por orientação sexual, gênero, identidade de gênero e etnia etc.
Em 2006, o Conjunto CFESS-CRESS lançou a campanha nacional pela liberdade de orientação e expressão sexual “O amor fala todas as línguas: assistente social na luta contra o preconceito”, em parceria com o Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual (DIVAS), a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), e publicou a Resolução 489/2006, que estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do/a assistente social.
Em 2010, o CFESS adotou o “Manual de Comunicação LGBT”, que serve de orientação para imprensa e sociedade trazendo termos, leis, datas e outras informações que ajudam, sobretudo, os meios de comunicação a compreenderem a realidade e as necessidades do público LGBT.
E no ano passado, publicou a Resolução CFESS nº 615/2011, que permite à assistente social travesti e ao/à transexual a utilização do nome social na carteira e na cédula de identidade profissional. A normativa possibilita a utilização do nome social nas assinaturas decorrentes do trabalho desenvolvido pelo/a assistente social, juntamente com o número do registro profissional.
Com informações do CFP, da Agência Câmara, da SDH e da ABGLT
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Fonte:CFESS
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