“Cirurgia (de mudança de sexo) não garante dignidade” | CRESS-17

“Cirurgia (de mudança de sexo) não garante dignidade”

01/06/2016 as 5:00

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Fala da transexual Debora Sabara no “CRESS debate: Identidade TRANS e os desafios na garantia de direitos” é alerta

Para Deborah Sabara, da Coordenação colegiada do Fórum LGBT do Espírito Santo, as pessoas transexuais têm sofrido pressão da mídia e da sociedade para optarem pelo processo transexualizador, com o discurso da “aceitação”, mas a militante fez um alerta importante: “A mídia diz: se você for trans, você será mais aceita. Mentira! A cirurgia não te garante dignidade”.

O alerta foi feito durante o evento “CRESS debate: Identidade TRANS e os desafios na garantia de direitos”, realizado pelo CRESS-17 e que fechou a programação do Maio, Mês da/do Assistente Social.

No debate, realizado nessa segunda-feira, 30, no Salão Rosa, no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória, Debora ainda chamou a atenção para os alertas feitos por médicos sobre os problemas que os medicamentos que acompanham esse o processo transexualizador  podem causar: “prejudicando gravemente o fígado”, apontou.

“Visão binária”

E o que geraria essa “pressão” identificada por Deborah? Na exposição da psicóloga, pesquisadora e militante do movimento LGBT, Rebeca Bussinger, que também foi debatedora no evento, apareceram algumas pistas.

Segundo a psicóloga, o corpo humano é uma identidade plástica e mutável e a “Pessoa Trans” possui uma identidade psíquica diferente do corpo que ela habita. “Mas nossa sociedade heterocentrada não aceita a diversidade dessa população, devido à sustentação de um conceito binário sobre o que a sociedade entende por homem e mulher”, afirmou.

Rebeca ressaltou que o conceito de masculino e feminino é algo construído dentro de uma perspectiva histórica. “O simples hábito de pintar as unhas é um mecanismo que reforça a ideia da imagem da mulher. Não é algo que nasceu com a mulher, mas um hábito construído socialmente”, expôs a psicóloga.

Receba ainda destacou duas resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que foram norteadoras para o avanço na garantia dos direitos da população transexual: a resolução 001/99, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual, e a resolução 014/11, que dispõe sobre a inclusão do nome social no campo “observação” da Carteira de Identidade Profissional da/o Psicóloga/o e dá outras providências.

Retrocessos

A atual conjuntura política brasileira também foi lembrada no debate.

Deborah Sabara lembrou que a Câmara Municipal dos Vereados de Cariacica (CMVC) derrubou o veto do prefeito Juninho (PPS) ao Projeto de Lei (PL) que proíbe a população transexual de usar o banheiro feminino. “Isso é apenas o início dos retrocessos e uma tendência para outros munícipios”, alertou.

Para ela, o preconceito com a população trans vai além de apenas um “desconforto” e isso impede que essa população exerça a sua cidadania.

“Para a cartilha do Ministério da Saúde nós não somos mulheres. Nós não acreditamos que nossos direitos vão permanecer. O nome social vai cair, o processo transexualizador no SUS vai cair”, previu Deborah ao avaliar a conjuntura, cobrando mais apoio às causas trans.

“A falta de apoio dos outros movimentos ligados à sigla LGBT é um dos desafios para as transexuais, que são inviabilizadas dentro do próprio movimento. Os considerados ‘G’ não se manifestaram em nossa defesa. Os gays não fazem nada pela defesa das trans”, reclamou.

O bacharel em Serviço Social e mestrando em Saúde Coletiva, Pablo Cardoso Rocon, que estuda a saúde da população trans, foi o terceiro debatedor na atividade e também alertou para a possibilidade de retrocessos. Ele substituiu a assistente social do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), Maria Helena da Silva Santos, que não pôde comparecer ao evento.

Rocon lembrou que tramita na câmara dos deputados o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 52/2011, de autoria do deputado João Campos (PSDB/GO), que pretende “sustar a aplicação das Portarias nº 1.707, de 18 de agosto de 2008, do Ministro da Saúde, e nº 457, de 19 de agosto de 2008, da Secretaria de Atenção à Saúde, que instituem e regulamentam, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.

“Este é o terceiro projeto de decreto legislativo. Teve um em 2008 do deputado Miguel Martini, que morreu e aí arquivou, que era para suspender a portaria de 2008. E teve um projeto anterior […] para impedir que o Estado pudesse oferecer serviços de saúde para a população trans. É um projeto que talvez num governo ‘temerário’ passe com muita força dentro do congresso e encerre o processo transexualizador, sendo aí sancionado pelo atual presidente”, alertou.

Processo transexualizador

Rocon também expôs os estudos do professor da Faculdade de Serviço Social da UERJ, Guilherme Almeida, que é um homem trans, e que defende que os assistentes sociais precisam olhar para a vida de homens, mulheres, travestis, transexuais, transgêneros, numa perspectiva de totalidade.

“Quando o Guilherme traz isso, ele joga no chão ‘e aí agora pense Serviço Social o que vocês vão fazer com isso tudo’. Porque o corpo do processo transexualizador é o corpo natural biológico, esvaziado de cultura, de política, de economia, esvaziado de recortes. E quando o Serviço Social se aproxima desse corpo ele olha pra esse corpo na perspectiva de totalidade”, afirmou.

Dessa forma, continua Rocon, Guilherme traz elementos que o Serviço Social pode trabalhar. “Ver que tem recorte de regionalidade. Ser travesti e ser transexual no Sudeste não é a mesma coisa que no Nordeste, no Norte. Tem recorte de regionalidade, de raça, de classe social e tem os rebatimentos de gênero e de divisão sexual do trabalho e exploração do trabalho pelas questões de gênero. Então quando ele traz isso ele também vai trazer todas as variáveis políticas, sociais, culturais, econômicas para construir e pensar as expressões das questões sociais que rebatem sobre essa população”, avaliou.

A partir daí, apontou o mestrando, é necessário também trazer a família da pessoa trans que sofre os rebatimentos da transfobia, como usuária desse serviço, pensar trabalho de rede, pensar em construir rede, identificar parceiros, desde instituições públicas, como CREAS, CRAS, a outras, para pensar em acessar benefícios sociais tanto para a pessoa trans, como para a sua família.

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