CRESS-ES Entrevista: conversa com a assistente social Célia Barbosa sobre os direitos das pessoas com deficiência | CRESS-17

CRESS-ES Entrevista: conversa com a assistente social Célia Barbosa sobre os direitos das pessoas com deficiência

03/12/2021 as 9:23

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No dia 03 de dezembro é celebrado o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A data reforça a importância de se refletir e reconhecer a necessidade de políticas públicas destinadas para a garantia e a defesa dos direitos dessas pessoas, promovendo ferramentas de inclusão social e, também, de conscientização da população. Direitos que devem ser respeitados, resguardados e cumpridos.

Dessa forma, a gestão “É preciso estar atenta e forte” convidou a assistente social Célia Barbosa, graduada pela Emescam (2008) e com mestrado (2012) e doutorado (2019) pela Ufes, para conversar sobre os direitos das pessoas com deficiência, os desafios enfrentados por elas e por seus familiares, trazendo para discussão o papel do/da Assistente Social dentro desse contexto.

Célia nasceu em Vitória e, atualmente, mora no município de São Mateus, tendo residido na cidade da Serra por grande parte de sua vida. Atualmente é pesquisadora de Desenvolvimento Científico Regional (DCR) com bolsa CNPq em edital da Fapes. Mãe de uma criança autista, ela participou nos últimos anos do coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN), com maior atuação no município da Serra.

Confira a entrevista logo abaixo.

CRESS-ES – Pode nos contar sobre a sua inserção no Coletivo Mães Eficientes Somos Nós?

Célia Barbosa (C.B.) – Conheci a Lúcia, coordenadora geral e fundadora do MESN, quando estava cursando o doutorado. Na ocasião ela era orientanda de uma amiga, a professora Lívia Moraes. Não me recordo quando foi esse encontro, mas acho que foi no período que nós estávamos em busca do diagnóstico do Leonardo, meu filho, que ocorreu em outubro de 2017. Em 2018 fui professora substituta na UFES e, naquele momento, os filhos de Lúcia, o Bruno e o Samuel, começaram a cursar, respectivamente, Serviço Social e Ciências Sociais. A Lúcia sempre estava no campus, para participar do grupo de pesquisa Trabalho e Práxis ou para acompanhar os filhos, e nessas idas a gente se esbarrava. Ao saber do diagnóstico do Leo ela me convidou para participar do MESN. Nessa época eu estava muito exausta com a quantidade de coisas que tinha que fazer e disse que não tinha condições. Assim mantive um contato distanciado do coletivo, mas próximo da Lúcia.

A convivência com ela, a atuação no departamento de Serviço Social, juntamente com o diagnóstico do meu filho e a experiência com meu irmão Nelio (uma pessoa com múltiplas deficiências) acabaram me provocando para a atuação militante no campo dos direitos das pessoas com deficiência. Entretanto, as dificuldades com o tempo protelaram essa participação. Todas as vezes que encontrava com Lúcia ficava na promessa de: “quando acabar o doutorado vou participar do coletivo”. Até que em maio de 2019 defendi minha tese e entrei para o grupo do WhatsApp do MESN. Eu fui me inserindo aos poucos, prestando uma espécie de assessoria às mães, respondendo aos questionamentos que eram colocados no grupo, fomentando ideias.

Entretanto, não consegui naquele ano participar de muitas reuniões do coletivo por serem presenciais, e eu não conseguia conciliar com os horários de terapias do meu filho. Com a pandemia e o distanciamento, a dinâmica da vida passou a ser de reuniões virtuais e eu consegui participar mais ativamente, buscando desenvolver esse trabalho de militância e assessoria ao coletivo ao mesmo tempo, provocando gestores acerca das legislações concernentes à construção das políticas públicas para as pessoas com deficiência e suas famílias, especialmente as cuidadoras que, em geral, são suas mães, avós, tias e irmãs. Essa atuação começou, aos poucos, a se transformar mais em uma atuação de educação popular. Comecei a buscar parcerias para o coletivo, conversar com professoras com quem eu tinha contato, tudo para realizar formações políticas e cursos continuados. Também participei de algumas ações de enfrentamento, com ocupações de equipamentos públicos, e passei a ter essa vivência mais orgânica dentro do coletivo. Como uma pessoa disposta a estar ali para aprender e também para contribuir.

CRESS-ES – E pode nos explicar mais sobre essa organização social e política, o Coletivo “Mães Eficientes Somos Nós”?

C.B. – O coletivo Mães Eficientes Somos Nós surgiu em 2013, quando a Lucia organizou esse coletivo junto com outras mães de pessoas com deficiência, residentes no município da Serra. Elas começaram a se juntar a fim de pautar no município as políticas públicas para as pessoas com deficiências e suas famílias, principalmente no campo da educação. E, aos poucos, o coletivo foi se ampliando, principalmente a partir de um grupo de WhatsApp, passando a ter grande influência dentro de outros grupos, que tinham famílias das Amaes, Apaes e da Pestalozzi, que começaram a perceber o trabalho desempenhado pelo coletivo na Serra, se aproximando e somando ao trabalho.

É uma organização popular, tendo a Lucia como coordenadora geral e um grupo amplo de coordenadoras de apoio. É um movimento que sempre constrói comissões para melhor organizar o grupo, buscando formas de se firmar como um movimento popular, para trazer as participantes do grupo a se envolverem mais com as ações. É um grupo formado em sua maioria com mulheres, sendo principalmente mães, avós, tias e irmãs de pessoas com deficiência. Tem uma atuação consolidada na Serra e vem ampliando sua atuação para o âmbito estadual. Hoje tem uma cadeira no Conselho Municipal de Direitos Humanos, da Serra; e esse ano disputou cadeiras em outros conselhos. É um coletivo que se consolida como movimento forte, na luta pelos direitos das pessoas com deficiência.

Esse coletivo tem atuação de diálogo com gestores de diversas pastas do município da Serra, principalmente, mas também do Governo do Estado. Um grupo que busca o diálogo com gestores para pautar a construção de políticas públicas, mas também é um coletivo que usa de ações para o enfrentamento de forma direta, como o Acampa Prefeitura, realizado neste ano, na Serra; assim como as ocupações realizadas em outros anos, também na prefeitura. E também é um coletivo que está ampliando sua atuação em diversos campos. Iniciou com a Educação, mas passou a agir nos Direitos Humanos, na Saúde, na Assistência Social e no de atendimento às cuidadoras de pessoas com deficiência.

CRESS-ES – Como o desmonte das políticas públicas interfere na vida das pessoas com deficiência e suas famílias?

C.B. – Interfere significativamente. Ao pensarmos que a sociedade tem um déficit muito grande com as pessoas com deficiência, em especial na garantia de seus direitos, ao falarmos do desmonte das políticas públicas compreendemos que esse déficit vai aumentar. Atualmente, tem uma série barreiras, atitudes e comportamentos limitadores que impedem a participação de pessoas com deficiência em diversos espaços públicos e privados, assim como o acesso delas a seus direitos. O desmonte seria o aumento dessas barreiras.

Uma dessas barreiras, por exemplo, são as urbanísticas, presentes em espaços públicos ou privados, e que impedem as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida a terem os direitos de locomoção e de acessibilidade assegurados. E que de forma geral são de responsabilidade do Estado, incluindo a fiscalização para o cumprimento das leis. Com um desmonte, essa ausência será ainda maior. Sem o Estado atuando na adaptação urbanística, passamos a ter um processo de mobilidade reduzida ainda mais complicado. Basta observarmos as construções das cidades: as calçadas, os órgãos públicos e privados sem acessibilidade para pessoas cegas, a falta de intérprete de libras nos espaços, e esses são exemplos simples. Mesmo com o Estado sendo o principal responsável para cobrar que essas inclusões existam, com o desmonte das políticas públicas o déficit não vai ter fim.

Outro exemplo: a gente ainda tem uma tecnologia que precisa avançar bastante para a acessibilidade das pessoas com deficiência. E também temos a possibilidade de universidades públicas e privadas desenvolverem pesquisas que facilitem e promovam o acesso da informação para pessoas com deficiência. Só que, mesmo no campo do Serviço Social, a vivência social das pessoas com deficiência é um tema pouco estudado. Se hoje já é difícil encontrar essas pesquisas nas universidades brasileiras, imagina com o desmonte? Será ainda mais difícil cobrar pela destruição dessas barreiras, de forma geral. E precisamos que haja a construção da acessibilidade como garantia da melhoria da vida das pessoas com deficiência, com ações voltadas para atender a coletividade e para o desenvolvimento pleno das pessoas com deficiência. Para isso acontecer é preciso que as barreiras presentes no meio ambiental e social sejam rompidas.

E ainda há outros exemplos, tais como as barreiras nos transportes públicos, por exemplo. O número de ônibus adaptados para atender as pessoas com deficiência é pequeno; sem contar da dificuldade de mobilidade para conseguir chegar ao local onde está esse ônibus e poder acessá-lo. A atuação do Estado na cobrança desse serviço, para que seja cada dia mais qualificado, é essencial. Só que além da mobilidade, também há outra questão no transporte público e que se estende a tantos outros serviços: as pessoas com transtorno do espectro autista, por exemplo, assim como pessoas com outras deficiências invisíveis, são destratadas dentro do ônibus na hora de acessar os assentos preferenciais. As barreiras atitudinais, que são os comportamentos construídos em cima de estereótipos e preconceitos sociais e propagados, promovem tratamentos desrespeitosos. É fundamental pensar e realizar uma formação ampliada para que diferentes profissionais de serviços públicos tenham uma orientação melhor para o trato às pessoas com deficiência, garantindo mais empatia e respeito.

Quando falamos do acesso à educação, da defasagem na escolaridade e no trabalho por parte das pessoas com deficiência, percebemos que essa já é uma realidade preocupante. Não há, por exemplo, um número suficiente estagiárias para o suporte individual e de cuidadoras de pessoas com deficiência nas escolas; e isso torna o espaço escolar muitas vezes mais excludente do que inclusivo. Às vezes a escola nem recebe a criança por não ter essas profissionais. Isso acontece com uma escola pública e na escola particular é pior ainda, porque não é possível nem conseguir uma vaga. Ao avisar da deficiência do/a seu/sua filho/a, por exemplo, quando a criança é autista, a escola já diz que não tem vaga ou que o local não é adequado por não ter condições para desenvolver um bom trabalho. Isso quando não avisam que a família terá que assumir os custos extras com a contratação de estagiária, entre outros. No serviço privado as barreiras ficam mais ampliadas, como se dependêssemos das relações de trocas: “você contrata esse serviço se quiser”. Mas não é bem assim! A família, às vezes, quer contratar, mas é só informar que a criança é autista, por exemplo, que não tem a vaga. Essa é uma realidade mais próxima da minha, mas pode ser acompanhada também na realidade de outras deficiências.

A gente não precisa só ter ônibus adaptados, derrubar barreiras arquitetônicas e urbanísticas, ampliar o acesso às escolas, mas também é preciso quebrar as barreiras atitudinais. E isso depende de um trabalho constante, que seja voltado para a conscientização da população, de trabalhadores e trabalhadoras de diversas áreas. Ao pensar no desmonte de políticas públicas e serviços, percebemos que em algumas questões que a gente começava a engatinhar, a gente voltou a rastejar. É um déficit que já existe e que, com o desmonte, será mais ampliado. A atuação do Estado é fundamental. É preciso ter essa centralidade, direcionando para o Estado, para que as famílias e o coletivo de pessoas com deficiência tenham mais condições de cobrança desses serviços.

CRESS-ES – Como a pandemia afetou as pessoas com deficiência e suas famílias?

C.B. – Afetou em todos os aspectos. Já existem várias pesquisas que mostram o quanto a pandemia afetou a população de forma geral, com aumento de ansiedade, depressão, angústia… Mas quando a gente vê esse aumento de sintomas nas famílias de pessoas com deficiência, percebe o quanto isso as atingiu. Tivemos muitos casos de violência doméstica das cuidadoras das pessoas com deficiência; e uma situação de empobrecimento muito grande dessas famílias, que já tem um perfil de família em que a figura paterna abandona o lar e a cuidadora fica dependente do recurso do BPC ou do Bolsa Família, porque além de ter outros filhos. E isso acontece porque essa cuidadora precisa acompanhar a pessoa com deficiência, principalmente crianças, adolescentes e jovens, para as terapias. Essa rotina muitas vezes impede que essas cuidadoras possam ter um trabalho remunerado, e quando conseguem desempenhar é na informalidade. Ao pensar no empobrecimento que aconteceu na população, de uma forma geral, essa realidade foi ainda mais drástica nas famílias de pessoas com deficiência. Então, o próprio coletivo se mobilizou para conseguir cestas básicas, roupas, dinheiro para compra de gás e comida para as famílias mais vulneráveis, além de buscar parcerias com instituições para o atendimento de pessoas com deficiência.

A pandemia tem tido um impacto muito grande nas pessoas com deficiência, incluindo a dificuldade com o isolamento. Porque houve a interrupção de todos os serviços terapêuticos e clínicos, além das consultas. Tivemos famílias que ficaram sem receita para a compra de remédios, porque mesmo que se estenda a validade da receita, como foi feito, às vezes precisa adequar a dose da medicação e não era possível conseguir uma consulta com neuro ou psiquiatra, por exemplo.

Além da dificuldade de acesso aos espaços públicos, também houve dificuldade de conseguir estabelecer uma rotina. O enclausuramento sobrecarregou a atuação da cuidadora, o que impactou na saúde dessas mulheres. Há casos de mães com nível de depressão aumentado, ansiedade, problemas de sono, cansaço, estresse… E isso impacta diretamente na vida das pessoas com deficiência. A saúde dessas cuidadoras também precisa ser acompanhada. Há casos de violência contra elas, assim como de questões financeiras que impactam a realidade da família. Algumas pesquisas mostram que, durante a pandemia, houve aumento da violência contra a mulher, mas também contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.

Agora, é fundamental começar a pensar, também, no pós-pandemia, porque os impactos dela vão durar por mais tempo. É essencial que as políticas públicas e os/as profissionais na gestão das políticas e serviços públicos comecem a pensar nos efeitos negativos causados pela pandemia. Para que seja possível iniciar a construção de um momento de recuperação, de cura dessas famílias. É importante procurar saber como estão os atendimentos, se a família teve acesso a serviços durante a pandemia, se o atendimento de saúde está em dia, se retornou ou não à escola e como isso tem sido feito, se as escolas estão garantindo o retorno adequado às pessoas com deficiência… Também vale buscar o atendimento das cuidadoras, de sua saúde; assim como das pessoas com deficiência, visto que há casos de aumento de agressividade, perda de habilidades, aumento da ansiedade, entre outras questões que precisam ser reavaliadas.

Mas também preciso apontar que é comum achar efeitos positivos, mesmo no meio de tanto retrocesso. Para algumas famílias, a pandemia contribuiu com a aproximação das mães com os/as filhos/as; o reconhecimento de habilidades das pessoas com deficiência, que ainda não tinham sido percebidas pelos familiares; um maior envolvimento das famílias com a escola e na realização das atividades… O que, por um lado, causou sobrecarga, por outro, trouxe o estreitamento de vínculos familiares.

CRESS-ES – Quais são as ações realizadas pelo Coletivo “Mães Eficientes Somos Nós”? Pode destacar algumas de maior realce, em sua opinião?

C.B. – Foram muitas ações. O coletivo tem uma ação muito orgânica e marcante na vida das pessoas com deficiência e suas famílias. Vou tentar destacar as que exigiram mais fôlego do coletivo. O Acampa Prefeitura de Serra, feito este ano, durou cerca de um mês, com as mães acampadas na prefeitura, dia e noite, para garantir o retorno às aulas de forma adequada, com estagiárias e cuidadoras nas escolas. E garantir, também, a alteração do termo de conduta, que a prefeitura tinha conseguido junto ao MPES, já que ele acabou se tornando quase um decreto ao invés de ser algo provisório (estava retirando direitos, quando devia garantir). Antes da pandemia tivemos o Acampa Palácio Anchieta, ficando na frente do palácio para conseguir uma reunião com o governador e, assim, garantir vagas de neuropediatria e psiquiatria para as pessoas com deficiência, que estavam numa lista de espera de anos para conseguir uma consulta. As famílias conseguiram reverter essa situação após a ação coletiva. E também quero citar os piqueniques, sempre realizados no Parque da Cidade, com acesso às famílias nesses espaços. Por conta da coletividade elas não se sentem sozinhas, e têm uma experiência mais agradável, sem vivenciar atitudes preconceituosas e falas capacitistas por parte da sociedade. Um momento muito gratificante.

Durante a pandemia, também buscamos uma ação marcante no acesso das famílias para a segurança alimentar. Fizemos parcerias e mobilizamos a sociedade para arrecadar roupas, cestas básicas e dinheiro para ajudar as famílias do coletivo. Duas dessas famílias, inclusive, chegaram a perder tudo que tinham num período de chuvas, e o coletivo conseguiu arrecadar dinheiro para ajudá-las. O MESN também atuou na mediação junto à prefeitura da Serra para não perder os alimentos perecíveis das escolas.

O grupo ainda conseguiu construir um GT, junto com a Prefeitura da Serra, focado na saúde das cuidadoras de pessoas com deficiência. Esse GT consegue, por exemplo, agilizar a marcação de consultas para as cuidadoras e realizar atendimento psicológico de algumas. E, ainda na área de saúde, conseguimos recentemente um mutirão para que as cuidadoras realizassem exames de mamografia. O coletivo se mobilizou após descobrir que muitas das cuidadoras nunca tinham feito esses exames, incluindo mulheres com mais de 40 e 50 anos de idade.

Para o fim do ano vamos realizar um encontro com as famílias, para mais um momento de confraternização. E não posso esquecer que, no início deste ano, houve uma semana de formação política com as famílias. Professores/as do ensino superior falaram de políticas públicas, assistência, direitos humanos, previdência, acesso a benefícios, educação, entre outros temas. E ainda, no decorrer da pandemia, o MESN realizou algumas lives para alcançar às pessoas com deficiência, suas famílias e a população, de maneira geral. Em duas dessas lives, o coletivo conseguiu garantir intérpretes de Libras, em outras duas conseguiu a participação de pessoas com deficiência e autismo.

CRESS-ES – O que tem a dizer sobre o acesso das PCD/família e os equipamentos e políticas sociais do município/estado?

C.B. – Infelizmente ainda é um acesso muito limitado, como disse mais acima. A persistência das barreiras ambientais ainda impede o acesso aos direitos. Mas a atuação desse coletivo é muito importante na efetivação das políticas públicas que já existem. A própria Lucia, coordenadora do coletivo, recebeu um prêmio de honra ao mérito, reconhecendo a luta dela pelas pessoas com deficiência em nosso estado.

Uma das principais dificuldades é no acesso aos equipamentos públicos e aos seus serviços. Porque ainda temos uma grande defasagem. No Parque da Cidade, por exemplo, houve a construção de uma parte acessível às pessoas com deficiência, com brinquedos adequados, mas que não têm manutenção. Muito do material foi depredado e, até o momento, não houve reparos.

O Parque Moscoso também tem uma parte de brinquedos acessíveis, mas não há em vários outros espaços, como o Parque Fazendinha, o da Pedra da Cebola, o Parque da Vale e o Parque Botânico da Serra. E são coisas simples, que poderiam ser realizadas pelos gestores, mas não há essa preocupação ao pensar as políticas públicas com acesso aos equipamentos e serviços que atendam às pessoas com deficiência. Os gestores poderiam buscar o contato com o Conselho das Pessoas com Deficiência para realizar essas obras, por exemplo, mas isso não acontece.

O acesso às praias é outra dificuldade. Assim como o acesso aos serviços públicos, a exemplo do posto de saúde, que não há uma prioridade no atendimento para pessoas com deficiência. Às vezes, é difícil conseguir vagas nas escolas mais próximas da casa das pessoas com deficiência.

Esses são poucos exemplos do cotidiano das pessoas com deficiência e suas famílias e que acabam cansando ainda mais suas cuidadoras, porque tudo precisa ser na briga, na luta, no enfrentamento. Para conseguir ônibus acessível, para ter estagiária e cuidadora na escola, para ter atendimento na saúde com neuropediatra e psiquiatra, para que as obras públicas atendam às necessidades de pessoas com deficiência… Para conseguir o mínimo precisa de muita luta.

Ainda tem as residências inclusivas, que de inclusivas não tem nada, são muito mais excludentes que qualquer outro espaço, sendo quase espaços de depósito de pessoas com deficiência. Ainda é preciso avançar muito na construção de políticas públicas e na efetivação das que já existem.

O que acontece, hoje, é a manutenção de uma lógica manicomial. O SAMU, por exemplo, quando acionado para ajudar no atendimento de uma pessoa com deficiência em crise, só vai até o local se a polícia já estiver lá. É fundamental fazer uma formação com os profissionais do SAMU de Segurança em Crises Agressivas (SCA), para que eles mesmos consigam fazer o transporte da pessoa com deficiência em segurança, sem precisar da polícia.

CRESS-ES – Você conhece algum trabalho de mobilização/articulação política entre os/as assistentes sociais que atuam nos/as equipamentos/políticas sociais do município com o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós? Se sim, fale um pouco sobre isso?

C.B. – Eu não conheço nenhuma mobilização de Assistentes Sociais e acredito que não exista, porque cheguei a buscar com muitas/os colegas e profissionais, inclusive de quem atua diretamente com políticas de pessoas com deficiência, e ninguém conhecia. Nem com o coletivo MESN nem com outros movimentos.

Quando as famílias dos coletivos descobrem minha formação profissional muitas me procuram para desabafar sobre atuações antiéticas de assistentes sociais, que trazem falas capacitistas, estigmatizantes, preconceituosas e com ausência de empatia para com as pessoas com deficiência e suas famílias. São casos de profissionais que deveriam atuar na garantia de acessos aos direitos para as pessoas com deficiência, mas que acabam agindo muitas vezes ao lado da burocracia, dificultando ainda mais o acesso delas e de suas famílias aos serviços. Acredito ser uma situação que precisa ser pensada desde o processo de formação desses/as profissionais, e principalmente de uma formação continuada, para que facilitem o acesso aos direitos, ao invés de ampliar as dificuldades e barreiras.

Porém, por parte das ações do coletivo, sempre se busca por parceria. O grupo dialoga com as secretárias de Assistência Social, por exemplo. Mas essa ainda é uma via difícil para as famílias, principalmente com profissionais que atuam nos CRAS, muito acessado pelas famílias do coletivo; ou do CAPS Infantil, que também há uma entrada grande dessas famílias. É um diálogo que precisa ser fortalecido.

Mas tivemos ações pontuais. Eu mesma já acionei algumas colegas, pedindo ajuda para melhor orientar alguma família ou uma cuidadora para algum serviço, como nos casos de atendimento de saúde ou de violência doméstica. Na formação política que fizemos neste ano, a professora Jeane (da Ufes) também participou. E ela vem ajudando e contribuindo com o coletivo, além da minha atuação direta. Outro exemplo é o Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão Fênix, coordenado pela professora Fabíola (da Ufes), que também vem atuando perto do coletivo. Realizamos um ciclo de rodas de conversa sobre a saúde das cuidadoras, promovido pelo Fênix, com a presença da professora Márcia, de Enfermagem. Esse grupo também tem atuação próxima de outro coletivo, que têm mães de pessoas com deficiência e que busca o acesso ao óleo de canabis para uso medicinal. O coletivo ainda tem uma parceria com o Nemps (Núcleo de Estudos em Movimentos e Práticas Sociais), outro grupo de estudo, pesquisa e extensão ligado ao Serviço Social, e já conseguimos construir uma formação política junto com a professora Ana Targina, coordenadora do núcleo, para ser realizada no próximo ano.

Nossa proximidade acaba sendo junto ao setor acadêmico do Serviço Social. De profissionais que atuam como assistentes sociais, ainda parte muito do meu movimento para buscar por ajuda a essas famílias.

CRESS-ES – Qual a contribuição da sua formação em Serviço Social para sua atuação neste Coletivo ou vice versa?

C.B. – É uma via de mão dupla. O coletivo contribui muito com minha formação e atuação profissional, e eu também venho contribuindo com o coletivo graças a minha formação de Serviço Social. Eu já vinha de uma formação com foco na educação popular, nos movimentos sociais, atuando junto às populações de periferias. Mas com a minha entrada no coletivo essa atuação ficou mais marcante, e os aprendizados da educação popular são postos em prática diariamente.

O MESN ainda trouxe uma necessidade para me aprofundar em buscar as especificidades sobre as questões de gênero a partir das necessidades dessas cuidadoras. Vejo como um casamento, unindo a formação que eu desenvolvi desde a graduação, passando pelo mestrado e o doutorado, e que se juntou a essa atuação prática, conhecendo essa realidade mais a fundo, pensando nas mediações necessárias para eu conseguir levar o conhecimento que adquiri na academia para o coletivo. Ao mesmo tempo em que aprendo a partir desse coletivo com a compreensão dessa realidade de forma mais específica. E também aprende a olhar as famílias buscando mais empatia, por exemplo, compreendendo mais as mulheres, assim como a infância e a adolescência das pessoas com deficiência.

Um casamento entre a teoria e a prática, e que a cada dia que passa me convence que se a teoria não trás respostas ao cotidiano é porque estamos fazendo errado. A teoria é para ajudar a iluminar o cotidiano, mas é a partir das contradições do cotidiano e com a experiência dessas realidades específicas, que o casamento entre teoria e prática se torna mais orgânico, consolidando a experiência de ser profissional e de estar militante. Tudo isso mudou e ampliou meu campo de atuação. O meu envolvimento com o desenvolvimento de pesquisas a partir das pessoas com deficiência se dá a partir da inserção no coletivo. Tanto a minha formação e atuação profissional trouxeram modificações para o coletivo, quanto esse coletivo tem me modificado como profissional.

CRESS-ES – Pode deixar uma mensagem para a categoria sobre o coletivo MESN e/ou sobre as Pessoas Com Deficiência?

C.B. – Estamos num contexto de avanço do neoliberalismo, em nosso país. E temos um aprofundamento do desmonte das políticas públicas, em especial nos retrocessos dos direitos às pessoas com deficiência. O que trago de mensagem é para que os/as profissionais retomem as práticas de educação popular, que foram muito marcantes nos finais dos anos 70, décadas de 80 e início dos anos 90. E essa retomada pode ser na mobilização e no fortalecimento de movimentos sociais, principalmente os populares. Buscando retomar essas práticas e fomentando junto às famílias a mobilização popular, apresentando para elas a importância de se agir coletivamente para transformar suas realidades, somando com os movimentos que já atuam em nosso estado, sendo possível contribuir para que se alcance uma força maior na luta pelo acesso e pela garantia de direitos às pessoas com deficiência.

Precisamos ter o foco em romper com o capacitismo. Dessa forma, enquanto categoria, espero que possamos não só pensar que o capitalismo é um sistema composto por aspectos do patriarcado, do racismo e da heteronormatividade, mas também por aspectos do capacitismo. Precisamos romper com esse pensamento preconceituoso, que hierarquiza as pessoas a partir de um ideal de corpo. Romper com essa visão é uma necessidade de nossa categoria. Por isso é tão importante mudar nosso olhar. Deixar de ver as pessoas com deficiência de forma estigmatizante, muitas vezes tratadas como pessoas incapazes de tudo, até de realizar o básico, como namorar ou constituir família. Essa visão deturpada, que olha a pessoa com deficiência como se a ela faltasse algo. Rompam com o capacitismo, tão presente em nossa sociedade, e busquem se aproximar dos movimentos de pessoas com deficiência. Ao fazer isso, será possível atuar não apenas contra o sexismo, o racismo e a homofobia; mas, também, contra essas opressões capacitistas, que são sempre retroalimentadas pelo sistema excludente do capitalismo.

Voltemos o nosso olhar ao acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas. Já temos muitas barreiras, já temos muitas exclusões. Tanto as pessoas com deficiência quanto as suas famílias já vivenciam essas situações em tudo. Agora, o momento é para romper com uma atuação tecnicista e burocratizada, avançando para uma atuação mais focada no acesso aos direitos, com atuação mais voltada à educação popular e à mobilização dos movimentos sociais. Foquemos no nosso compromisso ético!

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