CRESS-ES Entrevista Luzia França Teixeira sobre atendimento da população Tupinikim e Guarani em Aracruz (ES) | CRESS-17

CRESS-ES Entrevista Luzia França Teixeira sobre atendimento da população Tupinikim e Guarani em Aracruz (ES)

06/05/2021 as 10:16

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Como atividade do XII Encontro Capixaba de Assistentes Sociais, a gestão “É preciso estar atenta e forte” programou uma série de entrevistas com profissionais que trabalham, diretamente, com povos originários e comunidades tradicionais, no Espírito Santo, ou que atuam nas causas dessas populações.

Afinal, o tema definido pelo conjunto CFESS/CRESS para o maio de 2021 é: “Há mais de 500 anos esses povos sempre na linha de frente! Trabalho pela vida e resistência dos povos originários e comunidades tradicionais”.

No contexto da pandemia, de luta pela saúde pública e políticas sociais, é fundamental valorizar esses povos e a resistência secular dos sujeitos que fazem parte deles. E, também, as/os profissionais que estão diretamente envolvidas/os com eles.

Para a primeira entrevista, conversamos com a Assistente Social Luzia França Teixeira, que atualmente trabalha e reside no município de Aracruz, onde é servidora da prefeitura e exerce o cargo de Assistente Social no CRAS Indígena. Atuando desde 2015 na Aldeia Indígena Caieiras Velha, ela atende a população Tupinikim e Guarani.

Confira!

Quais as demandas e atribuições nesse cargo?

Entre as atribuições e demandas, é preciso acompanhar as famílias referenciadas e realizar articulações e encaminhamentos com a rede intersetorial de proteção, assim como acolher de forma sigilosa e respeitosa, num ambiente que facilite a escuta acolhedora. Também é importante identificar as formas de organização social, incluindo a família, as várias modalidades de vínculos, a visão de mundo e as formas de relação com a sociedade não indígena, não restringindo nosso trabalho à gestão de benefícios e programas de transferência de renda.

E quais são os principais desafios?

Mesmo atuando desde 2015, como Assistente Social, na Aldeia Indígena Caieiras Velha, a língua e os costumes dos Guarani, que são um povo mais fechado e alguns têm dificuldade em se comunicar na língua portuguesa, acabam sendo desafios diários. Assim como o atendimento e a compreensão das particularidades desse povo originário, pois trata-se de uma temática ainda pouco priorizada na formação profissional e, também, na formação continuada.

Outro desafio está na equipe profissional reduzida, bem como na falta de uma equipe volante para realizar um trabalho que leve para as aldeias o serviço que os indígenas receberiam no CRAS, por exemplo. E também há o descaso do poder público com uma população diferenciada em seus saberes, suas crenças e sua cultura; além da equipe trabalhar com recursos insuficientes para garantir o mínimo necessário.

Outro desafio é que as aldeias são distantes, territorialmente, uma das outras; e ainda há dificuldades no acesso, que é feito por rio, onde é necessário usar de barco e carro tracionado para andar na areia, veículos que são disponibilizados por parceria com a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e que muito contribui com nosso trabalho.

Além disso, há, por parte de algumas lideranças indígenas, uma resistência com relação à atuação do serviço no território indígena. Mas isso não é uma regra. Por vezes isso ocorre ao trabalho de orientação e prevenção quanto a violação de direitos relacionadas à violência doméstica e abuso sexual infantil, o que, obviamente, não é restrito apenas a essas localidades.

Infelizmente, o suicídio, um tema delicado e de difícil abordagem, é muito presente nas aldeias, se considerarmos a proporção da população que é atendida. E, além do suicídio, outras demandas sociais, assim como as que ocorrem entre a população em geral, também afetam os povos indígenas e, consequentemente, a rede de atendimento social, que é insuficiente como para toda a sociedade.

 

Conte-nos um pouco das particularidades da atuação com os povos originários e comunidades tradicionais…

Primeiro, temos a língua e os costumes diferenciados. O/A profissional que for atuar com população indígena precisa estar atento/a e buscar conhecer os costumes para não incorrer no erro de querer que apresentem a mesma forma de agir dos brancos. Também há diferença na organização social. É preciso compreender e conhecer que numa aldeia há uma forma de organização própria, formada, geralmente, por caciques e outras lideranças de apoio. Saber ouvi-los e consultá-los é de suma importância para o melhor desenvolvimento do trabalho. E ainda tem a experiência de territorialização. A relação com a terra é bem diferente do povo branco.

Pode nos relatar, brevemente, um pouco dessa experiência exitosa de sua trajetória de trabalho com os povos originários ou comunidades tradicionais?

Sendo breve, acredito que o trabalho de prevenção foi de fundamental importância junto às populações indígenas que atendemos. Após realizar alguns diálogos com as famílias, os/as usuários/as atendidos/as começaram a buscar o CRAS para buscar auxílio e apoio, reconhecendo nosso trabalho. Essa iniciativa dos/das indígenas, em buscar pelo atendimento a partir de suas demandas, foi muito enriquecedora.

Durante sua atuação, utilizou de normativa e/ou publicação do Conjunto CFESS-CRESS? Em qual situação?

Sim. A publicação sobre a vacina contra a Covid-19, defendo-a como direito universal, foi de extrema importância.

Confira a nota pública do CFESS (clique aqui) e a do CRESS-ES (clique aqui) sobre o direito universal da vacinação

E o princípio VI, do Código de Ética, entre outros, contribuem diretamente quando da eliminação das formas de preconceito e do respeito à diversidade, já que nossa atuação se concretiza com esses grupos socialmente discriminados em razão de sua etnia.

Princípio Fundamental VI do Código de Ética das/os Assistentes Sociais:

VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças.

Como o desmonte das políticas públicas interfere no trabalho do/da assistente social com os povos originários e comunidades tradicionais?

Interfere, por exemplo, na diminuição dos postos de trabalho com equipes que possam atuar de maneira interdisciplinar, o que ficou agravado pela pandemia. Isso reflete diretamente na forma como nosso trabalho afeta os povos indígenas na garantia e ampliação dos seus direitos.

Confira a matéria publicada pelo CFESS, em 2020, sobre a importância da questão indígena para Assistentes Sociais. Clique aqui!

Em sua opinião, como o Serviço Social contribui no campo de atuação com os povos originários e as comunidades tradicionais?

O/A assistente social é um/a profissional que tem como objeto de trabalho a questão social nas suas mais variadas expressões. Os olhares que se complementam entre os/as profissionais (Assistente Social e Psicólogo) que compõem a equipe multidisciplinar e a realidade da comunidade são essenciais para o trabalho social, assegurando o direito à autonomia e contribuindo para o resgate da cultura indígena.

Confira o CFESS Manifesta de 2012 (clique aqui!) e de 2013 (clique aqui) e saiba mais sobre a luta indígena.

Pode nos deixar uma mensagem à categoria para o Dia do Assistente Social?

A escolha dessa área de atuação, por parte da maioria das/os assistentes sociais, traz consigo um grau de consciência dos desafios e resistências que são encontrados no trabalho social. E no contexto dos dias atuais, com o crescimento da pandemia expondo ainda mais as chagas sociais e com uma política de negação dos principais direitos à terra aos povos originários, ser assistente social nos impõe maior responsabilidade e compromisso. Somos chamados/as para um compromisso ético com a sociedade.

Quando um CRAS indígena terá lugar enquanto espaço de concretização das diversas políticas públicas, além da doação de cestas básicas e controle das Bolsas Família? Diante de um povo originário, historicamente desfavorecido, e habitando sempre às margens da sociedade, o/a Assistente Social é o/a trabalhadora/a em prol dos direitos humanos.

Confira também:

Relatório Final da Plenária Nacional de 2020 >> clique aqui!

A carta de Belém, do 48º Encontro Nacional (2019) >> clique aqui! 

Programação completa do XII Encontro Capixaba de Assistentes Sociais >> clique aqui! 

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