É celebrado no dia 19 de agosto o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. E a gestão “É preciso estar atenta e forte” conversou coma assistente social Luciana Gatti Constantino, moradora de Vitória, formada pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), em 1995, na cidade de Bauru (SP).
Ela tem pós-graduação em Saúde e Reabilitação, pela Universidade de São Paulo (USP); e em Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Atualmente é Assistente Social do quadro efetivo dos servidores da prefeitura de Vitória, e desde 2013 está na coordenação do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS).
Durante a entrevista, Luciana nos contou sobre a rotina no trabalho, as relações do Serviço Social com a população em situação de rua, além dos desafios para a atuação profissional, em especial com a atual conjuntura. Confira!
CRESS-ES >> Quais são as demandas, atribuições neste cargo?
Luciana >> As atribuições enquanto coordenação são muitas, desde reunir, sistematizar e analisar as informações relacionadas à violação de direitos existentes nos territórios, oferecendo subsídio para ação preventiva; até acompanhar e assessorar as equipes do SEAS que monitoram as ruas, ou de fazer parcerias e articulações que contribuam para aprimorar os serviços existentes. Também precisamos promover espaços para capacitação permanente das equipes que atuam no SEAS em conjunto com a vigilância socioassitencial, coordenar e monitorar contratos e instrumentos congêneres; assim como acompanhar e controlar metas físico financeira dos instrumentos legais firmados e, ainda, acompanhar o registro de dados e informações para efeito de avaliação e de composição de indicadores sociais para melhoria da política pública. As atividades ainda incluem a participação de reuniões de coordenação semanal e do Comitê Gestor, quando convocada; e de espaços de discussão e de controle social, relacionados com a temática de violação de direitos.
CRESS-ES >> Quais são os principais desafios colocados à sua atuação nesse serviço?
Luciana >> Acho que o principal desafio é de desmistificar quem é a população em situação de rua. Pois infelizmente temos acentuado, nos dias de hoje, o olhar da sociedade capitalista que, ofuscada pelo consumo e medo da “pobreza”, prefere escamotear as causas que são estruturais e negar o direito à dignidade por parte de todas as pessoas, independente de sua condição socioeconômica. E, assim, culpabiliza o indivíduo por estar nesta situação de violação. Outra situação complexa e desafiadora é que o Serviço de Abordagem Social sempre é pautado por diversos atores, a realizar intervenções compulsórias. Reforçamos a todo momento que o trabalho baseia-se na construção de vínculos e que não executamos ações voltadas para práticas compulsórias ou vexatórias, sendo um trabalho pautado no respeito à subjetividade de cada sujeito, fundamentado na garantia de direitos e o respeito à dignidade humana, assim como preconiza a legislação.
CRESS-ES >> Gostaria de ressaltar os desafios postos diante do contexto de pandemia da Covid-19?
Luciana >> Inicialmente, como previsto em lei, mantivemos em funcionamento todos os serviços de atendimento à população em situação de rua na cidade de Vitória, reduzindo o número de servidores/as para assim evitar aglomerações e disseminação da doença, mas mantendo o acesso diário essencial à garantia do atendimento às famílias e indivíduos que, por motivos distintos, se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social. Isso nos demandou uma nova organização de trabalho por escalas e pensar em como não deixar de realizar o atendimento frente a uma doença que desconhecíamos. É válido salientar ainda que, mesmo com as primeiras informações obtidas acerca da ação do vírus,continuamos realizando o monitoramento dos territórios da cidade onde estavam as maiores concentrações de população em situação de rua, a identificar, abordar e buscar resoluções de necessidades imediatas dessa população, dando prioridade às solicitações vindas através dos chamados de 156, especialmente aqueles realizados pelos/as próprios/as usuários/as, e as situações tidas como emergenciais (todas as solicitações realizadas deveriam ser atendidas, porém alguns atendimentos foram prioritários, em decorrência do grande número de chamados diários, sendo o caso de idosos, gestantes, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência e pessoas desorientadas).
Mantivemos, quando possível, encaminhamentos do público atendido para sua inserção nos serviços socioassistenciais na perspectiva da garantia de direitos e superação da violação sofrida. Sempre com muita preocupação com a saúde dos/as trabalhadores/as. Para proteção das equipes, assim como dos/as usuários/as que atendemos diariamente, objetivando minimizar os riscos de contágio com a Covid-19, fornecemos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI),como máscaras, luvas, papel toalha e álcool em gel em todos os espaços de atendimento, assim como é feita a higienização dos carros que atendem o serviço de forma sistemática e diária. Foi feito um levantamento dessa realidade, incluindo a adequação das escalas de trabalho para que as atividades do SEAS não sofressem baixas.
Elaboramos, ainda, um guia de orientações para todas as equipe SEAS, com o intuito de esclarecer não só as equipes técnicas sobre o Covid–19, mas que possam diariamente orientar a população em situação de rua sobre a doença em questão, como também contribuir na prevenção e a minimização dos impactos da pandemia no público atendido.Mas tivemos desafios, pois a pandemia foi algo inesperado e trouxe um outro modo de fazer com a exigência de uso da tecnologia, a qual os serviços não dispunham, com wi-fi para reuniões, estudos de caso e acesso dos/as usuários/as às políticas sociais, como por exemplo a solicitação do auxilio emergencial.Outro ponto observado foi a preocupação dos munícipes de serem contaminados/as pelas pessoas em situação de rua e o aumento nos chamados de 156 para atendimento.
CRESS-ES >> Como o desmonte das políticas públicas interfere no seu trabalho?
Luciana >> É um desafio que o SEAS enfrenta para convencer da importância que o serviço tem na vida das pessoas que atende, principalmente porque nosso trabalho não tem resultados imediatos e nem números grandes de pessoas que superam a violação. Dependemos de articulação com outras políticas que também têm sofrido desmontes, e esse é um dificultador para efetivarmos os encaminhamentos dos/as usuários/as, como, por exemplo, a política habitacional.
CRESS-ES >> Pode destacar as particularidades da atuação com a população em situação de rua?
Luciana >> O público atendido é composto por um perfil bem heterogêneo, pessoas com realidades distintas como migrantes, idosos, adultos, crianças/adolescentes. Dessa forma, a intervenção tem que ser individualizada e construída em conjunto com o usuário. São pessoas que já perderam tudo na vida: família, casa, emprego… E despertar novamente o desejo de “dias melhores” é bem complexo. Os motivos que levam à situação de rua também têm uma pluralidade que levamos em consideração para intervenção, podendo ser desde perda de entes queridos, separação, ameaça no território, até questões de saúde mental ou relativas ao uso abusivo de álcool e outras drogas. O SEAS não faz acompanhamento, ele possibilita o acesso à rede de atendimento. É um trabalho a longo prazo e que se baseia na construção de vínculos para que os encaminhamentos à rede aconteçam e, assim, se iniciem os processos de superação da situação de rua.
CRESS-ES >> Pode nos relatar, brevemente, uma experiência exitosa de sua trajetória na atuação com a população em situação de rua?
Luciana >> Temos vários casos de pessoas que superaram a situação de rua. Um caso que atendemos durante muito tempo é de um adulto amputado, que fazia uso intenso de substância psicoativa. Foi para rua por conta da amputação de uma perna, pois não conseguia elaborar a perda do membro. Perdeu emprego e saiu de casa, onde morava com os pais, pois não podia contribuir mais financeiramente. Depois de muitas abordagens, começou a frequentar o Centro Pop e, posteriormente, aceitou ser acolhido. Mas nos acolhimentos, dava muito trabalho. Atualmente, continua em acolhimento e não há possibilidade de reintegração familiar. Modificou seu comportamento, cumpre os acordos e diminuiu o uso abusivo de álcool.
CRESS-ES >> Sabe nos dizer se recorre às normativas e publicações do conjunto CFESS-CRESS em sua atuação? Pode citar quais seriam e em que situação recorreu a elas?
Luciana >> Recorro às publicações para amparo no fazer profissional e para orientar a equipe em seu fazer, ou alterações importantes das políticas sociais que afetam o exercício profissional e o acesso da população atendida.
CRESS-ES >> Há algum trabalho de mobilização/articulação social ou política entre SEAS e os movimentos sociais da população em situação de rua? Pode nos falar sobre?
Luciana >> Recebemos os movimentos sociais aqui na gerência, participamos de reuniões e fóruns promovidos por eles. E em nosso planejamento anual são convidados para propor ações.
CRESS-ES >> Há algo que não abordamos que você gostaria de acrescentar?
Luciana >> Todos os profissionais de Serviço Social podem e devem atender a essa parcela da população. Fazer a escuta, entender a demanda e dar os encaminhamentos possíveis. Há um entendimento errado pelos profissionais que só o SEAS, por ser especializado, pode atender porque sabe manejar, e não é assim. A pessoa em situação de rua é pessoa como qualquer outra, que hoje se encontra em violação e que deverá ter seus direitos garantidos, através de atendimento com qualidade e respeito.
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