CRESS-ES Entrevista Tércia Gomes Helmer, Assistente Social do CAPS de Santa Maria de Jetibá | CRESS-17

CRESS-ES Entrevista Tércia Gomes Helmer, Assistente Social do CAPS de Santa Maria de Jetibá

18/05/2021 as 7:00

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A gestão “É preciso estar atenta e forte”, em mais um CRESS-ES Entrevista, traz para a categoria a entrevista com a assistente social Tércia Gomes Helmer, que trabalha no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Santa Maria de Jetibá, cidade onde atua desde 2011. Este conteúdo faz parte do XII Encontro Capixaba de Assistentes Sociais, junto com as outras entrevistas realizadas com profissionais que trabalham, diretamente, com povos originários e comunidades tradicionais, no Espírito Santo, ou que atuam nas causas dessas populações.

Afinal, o tema definido pelo conjunto CFESS/CRESS para o maio de 2021 é: “Há mais de 500 anos esses povos sempre na linha de frente! Trabalho pela vida e resistência dos povos originários e comunidades tradicionais”. No contexto da pandemia, de luta pela saúde pública e políticas sociais, é fundamental valorizar esses povos e a resistência secular dos sujeitos que fazem parte deles. E, também, as/os profissionais que atuam diretamente com eles.

Nesta entrevista, além de abordarmos o atendimento à comunidade pomenara de Santa Maria de Jetibá, optamos por trazer uma entrevista com uma profissional que também está trabalhando na área da Saúde Mental, visto que hoje, dia 18 de maio, é celebrado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Tércia formou-se em Serviço Social em 2006, pela Ufes, e atua em Santa Maria de Jetibá, município localizado na Região Centro Serrana, predominante povoado por pomeranos/as. Ela é servidora pública efetiva desde 2011, e está desde 2013 no serviço do CAPS, dentro da classificação por porte I, com atendimento ambulatorial no território de casos graves e persistentes e bem como decorrentes do abuso de álcool e outras drogas.

Mais abaixo, nossa entrevistada fala sobre o trabalho que é desenvolvido em equipe multiprofissional, assim como sobre as demandas e atribuições do cargo, os principais desafios, as particularidades no atendimento da comunidade tradicional, por exemplo. Confira nossa entrevista!

Como é o trabalho da equipe multiprofissional, que atua no CAPS I?

Hoje contamos com uma equipe multiprofissional formada por excelentes profissionais. Além de mim, como Assistente Social, o CAPS I tem como equipe um enfermeiro e uma enfermeira, uma terapeuta ocupacional, três psicólogas, uma psiquiatra e uma gerente de Saúde Mental. Ainda contamos com o trabalho de um motorista, duas ASG e uma auxiliar administrativa.

Quais são as demandas e as atribuições neste cargo?

As demandas mais comuns são as ações básicas desempenhadas por Assistentes Sociais, como atendimentos, encaminhamentos, articulação de rede, estudos de caso, condução de grupos, atividades comunitárias, palestras e orientações individuais sobre bens e serviços, dentre outras. Contudo,quero enfatizar que a real demanda da prática profissional é a de um olhar atento para a realidade, anterior aos meios pelos quais vai se intervir, pois a linha de cuidado e plano terapêutico do usuário do serviço se dá a partir do que ele traz e do que você como profissional tem condição de receber. A maneira como o profissional percebe esse usuário e sua realidade de vida irá direcionar as ações.

Uma das grandes questões que se colocaao Serviço Social e demais profissionais do CAPS é a seguinte: qual lugar a loucura habita no imaginário social? O que é ‘normal’? O que é patológico? Que rebatimento as questões da luta de classes, gênero, cor, orientação sexual tem sob minha prática? Qual a sua compreensão sobre uso e abuso de substâncias? Acha que isso tudo deve ficar confinado em internações? Isso tudo não é pano de fundo, é a demanda que chega em forma de queixas, de sofrimento, de ideação e/ou tentativa de suicídio, de delírios e sintomas psicóticos. Aí está o fazer profissional: a mediação das questões macro com as problemáticas apresentadas, e transformar isso em ações de cuidado em rede.

Aproveitando que Maio também é o Mês de Luta Antimanicomial, além de chamar a atenção para não voltarmos às velhas práticas, quero trazer a reflexão sobre o processo de adoecimento mental do próprio profissional de Serviço Social. De que forma temos nos tornado usuários da política de saúde mental? O que tratamos de normal e patológico, muitas vezes, pode se apresentar como resistência em procurar cuidado, onde esbarramos nos nossos próprios conceitos de produtividade e valor moral do trabalho; e o mesmo com os modos de vida, quantoao uso de substâncias e medicações psiquiátricas.

A loucura não deve ser presa, e o sofrimento psíquico deve ser cuidado. Não é vergonha ou fraqueza precisar de cuidado.

Pode nos contar quais são os principais desafios? Gostaria de ressaltar os desafios postos diante do contexto de pandemia?

Os desafios da promoção do cuidado na Saúde Mental são os atravessamentos da questão social, em suas expressões (citadas acima) como: falta de/ou renda precária, violência doméstica, racismo, LGBTQ+fobia, e demais contradições do sistema de exploração capitalista. Essas questões aparecem em forma de história de vida, em narrativa de sofrimento.

E no contexto da pandemia, tornaram-se ainda mais precárias as condições de vida da população em geral, principalmente quanto à falta e perda de renda, medo de contaminação, o luto, o isolamento. Tais situações, aliadas à mudança de rotina e à perda dos espaços de sociabilidade (incluindo os grupos de convivência do próprio CAPS, ou do CRAS e demais serviços), bem como no impedimento derealizar atividades cotidianas de maneira geral, também impactaram na qualidade de vida dessas pessoas. A necessidade de suspensão do recurso terapêutico de interação piorou muito o quadro dos/as usuários/as, sendo registradas várias crises e desorientações, mas, principalmente, muita demanda de acolhimento de novos/as usuários/as.

Como o desmonte das políticas públicas interfere no trabalho do/da Assistente Social no CAPS?

É interessante compreender que o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS é um serviço especializado em saúde mental, integrada na RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), instituído pela Lei 10.216/2001. Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. E esse contexto de precarização e desmonte de direitos já consolidados implica diretamente na piora das condições de vida dos/as usuários/as, bem como na precariedade das condições de trabalho.

Também é trabalho da/do Assistente Social do CAPS encaminhar os/as usuários/as para acesso às demais políticas públicas. Mas, na medida em que essas são deterioradas, o desmonte começa a nos exigir a classificação de “quem mais precisa”, elencando quem vai esperar e quem será atendido/a de imediato. E, nesse contexto, a saúde do/a trabalhador/a também é diretamente atingida. Além de ritmos acelerados,de sobrecarga no trabalho, acrescenta-se a angústia de recursos limitados e agravamento da demanda. Assim se dá origem às filas de espera para atendimento especializado, concessões de benefícios e afins. E essa, infelizmente, é a realidade em todas as políticas públicas.

Pode nos destacar as particularidades da atuação com a comunidade tradicional?

A Comunidade Tradicional de Pomeranos se caracteriza pela identificação cultural com as origens, crenças, ritos e língua dos povos imigrantes, sendo, nesta população específica, mantidas fortemente através da língua, da ligação com a terra e o plantio, da preservação de símbolos e rituais (como casamentos e outras festas).

Os desafios de atuar em uma comunidade tradicional iniciam-se na língua. Santa Maria de Jetibá (ES) é o município com mais pomeranos, no país, sendo considerada uma cidade bilíngue. E é comum, em comunidades mais afastadas, que os/as idosos/as só se comuniquem em pomerano. A língua pomerana é um dialeto em âmbito histórico mundial, sendo recente a organização da gramática, feita pelo professor Erasmo Tresmann, de Santa Maria de Jetibá. E, como se sabe, a linguagem é viva, ela se modifica conforme tempo, costumes e valores, tendo à língua pomerana expressões restritas de subjetividade e sentimentos, exigindo intervenções com características mais objetivas e concretas. Ou seja, é uma linguagem bem específica e que atende a essa região. Por vezes, no CAPS, necessitamos de intérprete para realizar atendimento.

Outra questão é o valor que a comunidade dá ao trabalho e à propriedade. Sob influência da contra reforma de Martin Lutero (predominantemente eles são luteranos), o pomerano é um povo muito trabalhador e com forte ligação com a terra e com matrimônio. Pelo histórico de privações e isolamentos, a comunidade pomerana tem características mais intimistas, observados no comportamento mais reservado, por vezes“desconfiado” com o que “vem de fora” e com o que difere de suas vivências.

Pode nos relatar, brevemente, uma experiência exitosa de sua trajetória na atuação com essa comunidade tradicional?

Primeiro, registro que os resultados dos trabalhos do CAPS são de caráter coletivo, realizado por uma equipe multidisplicinar, onde muitas mãos tecem uma rede de cuidado em conjunto. Temos muitas histórias de micro evoluções e, também, muitas de nem tanto êxito. Inclusive, é isso que alimenta a alma: pequenos passos, às vezes demorados, mas que apontam avanços em autonomia e cuidado, por exemplo, onde antes a loucura era depositada no isolamento, esquecimento, incapacitação.

Contudo, para fins de preservação do sigilo ético, vou ilustrar com o caso que já é público, com a autorização do usuário e seus familiares, que já foi até publicado no site da SESA (Secretaria de Estado de Saúde). É sobre o nosso representante municipal contra Luta Antimanicomial, Alexandre de Souza Nascimento. Um caso exitoso de desinstitucionalização, que esteve por dez (10) anos internado no Hospital Santa Isabel, em Cachoeiro de Itapemirim, e retornou ao convívio familiar em 2015.

Segue link para conhecimento: https://saude.es.gov.br/saude-mental-vencer-o-preconceito-e-um-dos-de

Hoje, Alexandre mantém convívio familiar com a irmã, por quem é cuidado e que também cuida dela. É afetuoso com toda família.

Você recorre às normativas e publicações do conjunto CFESS-CRESS em sua atuação? Se sim, quais e em qual situação?

Já tive que recorrer sim às normativas e publicações, principalmente para resguardar sigilo dos usuários e para assuntos sobre estágio supervisionado.

Há algo que não abordamos que você gostaria de acrescentar?

Quero acrescentar uma reflexão, para além de o trabalho ser realizado com uma comunidade tradicional. É sobre o lugar ocupado pelo Serviço Social na política de saúde mental. Qual imaginário de normal e patológico carregamos? Sem a pretensão de negar o materialismo histórico dialético, mas foi necessário me debruçar sobre questões complementares. Pois, afinal, tornar-se “paciente” de saúde mental sendo profissional de saúde mental é a expressão de uma de tantas contradições vivenciadas no fazer profissional… É preciso exercitar esse olhar do cuidado, talvez buscando no entendimento de necessidade ouna percepção de que nem sempre a forma de se lutar é bruta.Por vezes, tive que usar a sutileza da arte, da música, do plantar e do colher, literalmente, e que foram ensinadas pelos/as usuários/as, nas oficinas de cuidado.

Pode nos deixar uma mensagem para a categoria para o Dia do/a Assistente Social?

Assistentes Sociais, cuidem da saúde mental de vocês! Nem só de lutas são feitas as batalhas! Se permitam se sentirem por vezes impotentes diante de uma profissão que tem como juramento ético a luta contra um sistema inteiro de produção, onde inclusive também somos contraditoriamente força de trabalho barata, precarizada e assediada. Precisamos nos juntar aos pares (agora, na pandemia, não aglomere, por favor!). A armadilha de se perder nas exigências burocráticas no ambiente de trabalho e ainda produzir cuidado com olhar crítico é desafiadora. Não confunda o chamado como um apelo ao ecletismo, mas um chamado a ampliar o olhar para o entendimento de subjetividade e demarcação. Feliz Dia do/da Assistente Social. E seguimos em luta antimanicomial.

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