Uma das palestrantes comparou o programa Depoimento sem Danos a “uma espécie de tortura”
Aproximadamente 300 pessoas participaram da abertura do I Encontro Estadual de Assistentes Sociais e Psicólogos da Área Sociojurídica nesta quinta-feira (21). Estudantes e profissionais estiveram no auditório Manoel Vereza durante todo o dia no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória.
Na abertura a vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social 17ª Região (Cress-17), Nildete Turra Ferreira, lembrou que o evento – que é uma realização conjunta do Cress-17 e do Conselho Regional de Psicologia (CRP-16) – já se mostrava um sucesso, uma vez que a presença dos profissionais e estudantes foi expressiva.
Ela também apontou os desafios das duas profissões na atualidade. “Estamos sofrendo um retrocesso no respeito aos profissionais e aos direitos humanos. Isso se reflete no tratamento que tem sido dispensado à população em situação de rua, ao sistema prisional, ao sistema sócio-educativo, além do extermínio dos jovens negros”, disse.
Já a vice-presidente do CRP-16, Silvia Fontes, fez um breve histórico sobre a inserção da Psicologia no campo sociojurídico, destacando também a interação profissional com o Serviço Social.
“A recente história da Psicologia e do Serviço Social começou a ganhar os contornos que têm hoje nas últimas décadas. Portanto, as/os profissionais e estudantes que estão aqui fazem parte dessa construção interdisciplinar e profissional”, afirmou Silvia. Confira aqui a íntegra do discurso.
Tortura
Durante os trabalhos da manhã a mesa do evento abordou o tema: “Escuta e/ou inquirição de crianças e adolescentes: a atribuição profissional na perspectiva dos direitos humanos”. A mediação da mesa foi realizada pela psicóloga Danielly Bart do Nascimento.
A primeira a falar foi a assistente social e mestre pela PUC de São Paulo, Áurea Satomi Fuziwara. Ela é servidora do Tribunal de Justiça de São Paulo, doutoranda em Serviço Social e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ética de Direitos Humanos da PUC-SP.
Áurea apontou o programa Depoimento sem Danos, que prevê que crianças e adolescentes testemunhem sobre crimes na Justiça, como uma espécie de tortura. Neste programa juízes orientam a inquirição às crianças com acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais, o que configura um desafio para os profissionais.
Ela destacou que a abordagem da violência contra a criança, em especial no campo sexual, é sempre moralista e com viés punitivo, sem a preocupação de entender a sociedade que viola e deixa que crianças sejam violadas.
Áurea defendeu que, ao invés de “torturar” crianças, os Estados devem investir mais na contratação de profissionais e aparelhamento de uma polícia científica eficaz e capaz de produzir provas, ao invés de ampliar apenas o quadro das Polícias Militares.
Retrocesso
A psicóloga, mestre e doutora em Educação pela Boston University e pós-doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Esther Maria de Magalhães Arantes, fez a exposição em seguida. Ela é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), conselheira do Conanda e representou o Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Esther disse estar muito feliz com o evento, pois representa um indício de que a “disputa entre as duas categorias pelo espaço de trabalho foi superada” e lembrou que os conselhos têm uma longa trajetória na defesa dos Direitos Humanos.
“Todos nós lutamos muito para acabar com a ditadura. Hoje temos os movimentos dos negros, das mulheres, da população em situação de rua, dos LGBT. Mas estamos em um momento de retrocesso”, disse.
Para ela, a eleição do deputado federal pastor Marco Feliciano (PSC) para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e as declarações dele de cunho racista, homofóbico e contra os direitos das mulheres são um retrocesso grave frente às conquistas dos últimos anos.
A professora lembrou, ainda, que dentro deste processo de retrocesso, o Rio de Janeiro, por exemplo, está promovendo ações higienistas, visando os grandes eventos que a cidade receberá, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Segundo a professora, este movimento tem impactado gravemente a população, com internações compulsórias de dependentes químicos em ações violentas.
E alertou para a importância dos profissionais não entrarem na armadilha do discurso que dá apenas duas opções para esta questão: recolher as pessoas ou abandonar as pessoas. Para ela, a opção não é nenhuma das duas e o que estão fazendo é recolhimento e não acolhimento. “A opção é implementar políticas como Hospitais Dia, Cras, Creas e uma abordagem de rua que respeite o indivíduo”, defendeu.
Esther lembrou que a Lei de Diretrizes e Base (LDB) prevê que a escola discuta com as crianças seus direitos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ela explicou que isso vai muito além de ensinar a criança a denunciar seus pais por abuso, quando às vezes isso nem ocorreu.
“Não podemos reduzir a política de educação a um apêndice da política criminal. Se for assim, todo o trabalho que é realizado fica a serviço do aparato jurídico para a produção de provas. A função da política de assistência é protetiva e não investigativa. Há mulheres com medo de fazer o pré-natal para não perderem o pátrio poder ainda no útero, por serem usuárias de drogas. Nossa atuação difere da do juiz e da Polícia. Elas têm o seu lugar, mas este não é o nosso papel”, disse, lembrando que está ocorrendo uma desqualificação das profissões de psicólogo e assistente social.
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