Conversamos com a pesquisadora e professora Marcia Eurico, após sua participação no III Seminário Estadual de Serviço Social e Direitos Humanos, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), nos dias 18 e 19 de julho de 2019. Na entrevista, ela fala sobre o racismo no Brasil, apresentando um panorama histórico sobre as questões étnico-raciais que envolvem nossa sociedade, como um todo, e ponderando os avanços do conservadorismo na atual conjuntura nacional.
Marcia Eurico é assistente social, professora da FAPSS e pesquisadora das relações étnico-raciais. Boa leitura!
Nesses séculos de exploração étnico-racial, da escravização até os dias atuais, o que mudou no Brasil?
Marcia Eurico – Eu penso que a presença negra, no território brasileiro, sempre foi uma presença muito indesejada. Durante o período da escravidão, o Estado teve muito mais facilidade para fazer esse controle sobre os corpos negros, a partir da ideia de que a ausência de liberdade fazia com que essa população não pudesse transitar muito pelo território, a menos que fosse numa condição de ilegalidade. Aí teremos as fugas, a ida formação dos quilombos e a figura do capataz, remunerado para capturar negros e negras fugidos/as das senzalas. Dessa forma, tivemos uma organização racista, iniciada durante o período da escravidão, e que não teve grandes possibilidades de alteração dessa realidade com o passar dos anos. A assinatura da lei áurea, de ponto de vista formal, dá a liberdade. Uma liberdade com muitas aspas.
Dá a liberdade ou diz que agora não pode escravizar?
Por isso das aspas. A partir da lei aura não é mais possível o controle (legalizado) sobre corpos e mentes. Só que o problema se mantém, porque a libertação não significa que essa população negra será bem-vinda no Brasil, a partir de então. A partir daí o racismo ganha elementos muito mais robustos para continuar a fazer o controle sobre os corpos negros, só que agora não mais explícita.
São elementos que vêm pelas novas leis? Pelos não-direitos e proibições?
Vêm pelas políticas públicas, que não serão pensadas a partir da demanda dessa população recém liberta. Vêm pelos preconceitos que vão se enraizar, a partir de então, e que consideram que a população negra é livre, mas é incapaz; é livre, mas não tem o conhecimento nem a base necessária para ser inserida no mercado de trabalho livre. Tudo isso são mitos, mas esses mitos justificam (para a elite branca) que a população negra continue numa condição tão empobrecida quanto a que ela viveu no período da escravidão. Nesse contexto, o combate ao racismo tem como elemento central, primeiro, de desconstruir tudo isso. É preciso rediscutir o que é escravidão, o que foi a escravidão negra, o que foi a abolição e o quanto o racismo é funcional para que, então, a gente pense, por exemplo, sobre o extermínio da população negra e jovem, até hoje.
O racismo é funcional desde o começo desse pensamento de construção de uma nova nação, de um país moderno, democrático e que deseja construir um Brasil igualitário, pós-escravização?
Do ponto de vista do desejo da elite brasileira, é isso. O desejo era o extermínio da população negra. Mas esse é um processo contraditório, porque se eu exterminar, quem é que vai trabalhar? Quem vai fazer o trabalho sujo? Então, o trabalho vem, nessa sociedade, como algo absolutamente estranhado e desvalorizado, e tem que ser feito por pessoas que também são desvalorizadas. Ou seja, ao mesmo tempo que a elite deseja exterminar esse grupo, ela depende desse grupo para o desenvolvimento da nação. Só que aí, esse desenvolvimento será acompanhado por um debate do branqueamento. E, consequentemente, o que acontece, é que a elite atualiza a escravidão. O pensamento é: “Eu quero essa população, desde que ela continue subserviente”. Agora, caso ela (a população negra) decida que vai, de fato, brigar pela liberdade em pé de igualdade, a elite opta por usar o braço do Estado para devolvê-la para a condição de inferioridade.
Para lembrá-la que a elite ainda quer manter o poder?
Para lembrá-la que o poder é branco. Que é o que a gente vê nas situações de racismo. Uma frase muito comum, da pessoa racista, é perguntar para a pessoa que está sofrendo (o racismo) se ela sabe com quem está falando. Essa frase expressa muito mais do que: “Você sabe o meu nome?”. Ela expressa “Eu sou o grupo que tem o poder, eu sou o grupo dominante, e você não é nada”. É o mesmo que: “Ponha-se no seu lugar”, que é uma outra frase muito comum. Qual é esse lugar? O lugar daquele que não é bem-vindo. O lugar daquele que não tem voz, que não tem vez. O lugar daquele que vai ter que esperar e que só vai ocupar os espaço se for autorizado pelo branco.
A gente pode afirmar que a discussão étnico-racial é fundamental para rever a história do nosso país?
Sem dúvida.
Em todos os níveis? Na educação, na saúde pública, no pensamento político hegemônico, na cultura, na identidade de um povo… É discussão necessária em todos esses locais?
Eu penso que é fundamental em todos os aspectos. Porque se a gente for fazer uma discussão mais séria da formação do Brasil, (vamos perceber que) nosso país é um país afro-indígena, com a grande maioria da população brasileira tendo origem indígena ou africana. Daí que o processo de miscigenação foi tão funcional, porque a miscigenação e o branqueamento foi uma tentativa de se tirar a presença negra, mas ela se mantém. Só que ela se mantém camuflada, porque as pessoas vão clareando, e esse clareamento dá para essa parcela importante da população um não-lugar. Porque ela não é branca, mas para ser aceita no mundo dos brancos ela precisa negar a sua negritude.
Nesse sentido, discutir relações raciais é fazer com que a gente reveja a nossa história. É fazer com que a gente perceba que esse processo da miscigenação não é bom, e é permitir que a gente discuta que isso foi uma manobra branca para desqualificar o negro, em especial o retinto. Trazer isso para o debate faz com que essas pessoas, que têm a pele negra mais clara, voltem às suas origens e fortaleçam a luta, que é uma luta do povo brasileiro. E esse é o grande medo da elite. Porque se você pegar que nossa população é de maioria negra e indígena, na origem, sobra quem de branco nesse país?
Quem faz o racismo?
Eu penso que o racismo é uma arma que a sociedade branca, minoria no Brasil, construiu para se manter soberana. Porque se a identidade negra for fortalecida, a elite branca tem risco muito grande de perder o seu poder.
E foi construída no objetivo de manter o pensamento eurocentrista, do “eu sou superior”?
E “eu sou superior” por quê? Porque eu sou branco, sou heterossexual, sou cristão, tenho cabelo liso, traços finos e certa herança européia que me dá… É o “eu sou chique”. Entende? Acho que é uma série de conjuntos, de elementos, de símbolos, que configuram a branquitude. E tudo que está fora disso será considerado aberração.
Importante aproveitar a ocasião e explicar que o racismo não se expressa apenas no cabelo. O cabelo é o aparente, mas ele é o que mais incide, porque no continente africano, no período da colonização, os grupos se diferenciavam muito pela estética. Então, no processo de escravidão, homogeneizar todos os grupos significava tirar a estética. E aí, quando se tira a estética, você passa pelo processo de ser obrigado a dizer que, tudo que você considerava belo, agora é feio. Daí, encontrar, até hoje, em algumas fundações, a prática de raspar o cabelo dos meninos para que eles virem todos uma coisa só é voltar a esse momento da escravidão. O cabelo é a representatividade do racismo porque foi pela estética que incidiu, num primeiro momento, quem é bonito e quem é feio.
E nessa atual situação em que nos encontramos, enquanto nação, com muitos falando sobre o avanço do conservadorismo, dos riscos aos mais vulneráveis, quais são os riscos para a população negra?
Apesar de todo o contexto atual, eu acho que para a população negra, nada mudou. A população negra ainda é a mais violentada, a quem mais morre, a que segue na miséria, no subemprego e na superlotação do sistema carcerário.
Mesmo com mais pessoas enxergando o avanço do conservadorismo?
O fato de mais pessoas acordarem não significa que elas vão fazer a defesa dos mais vulneráveis. Entende? O acordar é o medo de ser confundido por essa população que já era uma população matável. O pensamento é de que: “Agora eu estou na mira e preciso sair da mira”. E a minha impressão é de que, esse estar na mira, por mais absurdo que seja, é o que faz com que mais pessoas defendam, inclusive, a legalização das armas.
Como assim?
O que esses grupos pensam é que, agora, eles estão na mira. Mas se eles voltarem a assumir o discurso do dominante, pode ser que, em breve, eles deixem de ser alvo e, assim, voltem a defender o extermínio dos mais pobres, já que consideram que esse grupo é o mais violento.
Eu acredito que enxergar o avanço do conservadorismo não significa a mudança do cenário, ao ponto de que mais pessoas se enxerguem na mira e, assim, passem a ser solidários com quem morre e sempre morreu. O que se reconhece, de fato, é que eles estão na mira porque podem ser confundidos. Não há uma preocupação pelo outro. Há uma preocupação por si mesmo.
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