Entrevista: Assistente Social e professora de Serviço Social da UFES, Aline FardinPandolfi, fala sobre a pesquisa referente ao Auxílio Emergencial | CRESS-17

Entrevista: Assistente Social e professora de Serviço Social da UFES, Aline FardinPandolfi, fala sobre a pesquisa referente ao Auxílio Emergencial

07/09/2020 as 9:00

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Recentemente, o Grupo de Estudos Desenvolvimento Social e Primeira Infância, coordenado pela Professora Maria Lúcia Teixeira Garcia e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social/UFES, divulgou uma nota informando os primeiros resultados sobre o estudo que a equipe de pesquisadores/as desenvolveu em cima de dados referentes ao Auxílio Emergencial adotado pelo Governo Federal durante a pandemia da Covid-19, no Brasil.

As informações obtidas pelo grupo, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), mostram que cerca de 25% da população brasileira obteve acesso direto ao benefício, além de levantar outros dados. (confira!)

O grupo, de caráter internacional, estuda aspectos diversos e sua relação com a primeira infância em três países: Brasil, Cuba e Inglaterra. Entre os/as pesquisadores/as que compõem este grande grupo de pesquisa no Brasil estão oito assistentes sociais e quatro economistas, incluindo docentes, estudantes de pós-doutorado e estudantes de doutorado vinculados. São pesquisadores/as do campo da Política Social vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Política Social, dos Departamentos de Serviço Social e Economia da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e de Ciências Humanas da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri).

Entre eles/as está a pesquisadora Aline FardinPandolfi, Assistente Social, ex-presidenta do CRESS-ES e professora do Departamento de Serviço Social da UFES. Ela nos concedeu uma entrevista falando sobre a importância dessa pesquisa, a relação dos dados com o Espírito Santo, as relevâncias da pesquisa para o âmbito acadêmico e profissional, além de aspectos sociais, econômicos e políticos da atual conjuntura nacional.

Boa leitura!

Primeiro, queremos saber como foi a experiência de participar dessa pesquisa? Como surgiu a oportunidade? E de que forma contribuiu para o estudo?

Esta pesquisa é resultado da interlocução entre vários pesquisadores e pesquisadoras que participam do Grupo de Estudos Desenvolvimento Social e Primeira Infância, coordenado pela Professora Maria Lúcia Teixeira Garcia, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social/UFES. Este grupo de caráter internacional estuda aspectos diversos e sua relação com a primeira infância em três países: Brasil, Cuba e Inglaterra. O grupo recebe estudantes interessados nesta temática ou que estudam em algum desses países, em específico. Por eu estudar a realidade cubana, me interessei em integrar este grupo. Este grupo funciona com reuniões entre os/as membros/as da equipe nacional e também via intercâmbio internacional de estudo e produção coletiva de conhecimento. A última atividade internacional conjunta ocorreu em dezembro de 2019, em uma Missão de Trabalho em Cuba.

Frente à pandemia causada pela disseminação da COVID-19 e a prioridade do atual Governo Federal do Brasil pelo benefício de transferência de renda denominado Auxílio Emergencial, a equipe brasileira identificou a necessidade de nos dedicarmos a análise e compreensão do impacto desse benefício. Esta necessidade foi provocada por um dos Economistas de nosso grupo (Rafael da Silva Barbosa) ao levantar esses dados. O documento a partir do qual divulgamos esses dados (confira aquifaz parte de uma série de Notas Técnicas para acompanhar, analisar e propor ações diante do impacto da pandemia pela disseminação do novo coronavírus junto à parcela da classe trabalhadora com menores rendimentos, desempregada ou em condição de pobreza. Conforme dito na própria nota que divulgamos, o foco  foi tecer apontamentos iniciais sobre a distribuição do Auxílio Emergencial para o Estado do Espírito Santo, com algumas ações a serem executadas e aspectos que merecem um estudo mais aprofundado, especialmente em torno do SUAS, do CadÚnico e da gestão da informação. Neste sentido, contribuímos principalmente com as reflexões sobre as consequências imediatas da pandemia junto aos/às trabalhadores/as e algumas propostas possíveis via Política de Assistência Social. 

Pode nos trazer mais informações sobre o desenvolvimento dessa pesquisa? Sabe nos dizer quantas/os Assistentes Sociais daqui do ES, professoras/es e estudantes de Serviço Social, participaram da pesquisa, por exemplo? Como foi delimitada a área de estudo? Ou o perfil a ser pesquisado?

Os dados relativos ao Auxílio Emergencial foram levantados via registros do próprio Governo Federal, os quais, apesar de terem sido de difícil acesso (o que enquanto equipe de estudo consideramos ser uma das táticas relacionadas à estratégia de obscurantismo científico), foram possíveis de serem acessados após pedidos de vários/as pesquisadores/as. O levantamento desses dados buscou identificar a população que tem conseguido acessar o Auxílio Emergencial, bem como perceber algumas diferenças entre as regiões e entre as cidades do próprio Espírito Santo.

Os/As pesquisadores/as que compõem este grande grupo de pesquisa, no Brasil, são oito assistentes sociais e quatro economistas. Dentre esses/as estão docentes, estudantes de pós-doutorado e estudantes de doutorado vinculados/as. São pesquisadores/as do campo da Política Social vinculados/as ao Programa de Pós-Graduação em Política Social dos Departamentos de Serviço Social e Economia da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e de Ciências Humanas da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri).

Pode apontar alguns resultados da pesquisa realizada? Quais chamam mais a sua atenção?

Destacamos que ¼ do total da população do país e do Espírito Santo tiveram acesso ao Auxílio Emergencial. Esse dado, somado a um último dado recentemente divulgado (que demonstra que na grande maioria dos Estados brasileiros há maior número de pessoas sobrevivendo com o Auxílio Emergencial do que via emprego formal), constitui um alerta da situação de pobreza e das péssimas condições de trabalho e de vida de uma parcela substantiva da população brasileira. Em nosso levantamento, em ambos os casos, nacional e estadual, a maior parte dos/das beneficiários/as estavam já inscritos no CadÚnico e, portanto, eram usuários do Sistema Único de Assistência Social.

Conforme apontamos na nota, a distribuição do Auxílio Emergencial também revela uma série de questões associadas às desigualdades regionais e territoriais. No país, as regiões do Norte e Nordeste são as que apresentam maior quantidade de beneficiários/as. Tanto para Brasil quanto para o Espírito Santo, as cidades médias e pequenas são as que concentram mais beneficiários/as, evidenciando-se a histórica desigualdade entre campo e cidade, o que se sobressalta após a conformação do modo de produção capitalista, com a concentração das indústrias e da produção (e distribuição) nos chamados grandes centros urbanos. Os dados e as análises desenvolvidas mostram a existência de uma ampliação da situação de pobreza ou de extrema pobreza no Brasil, durante a pandemia por COVID-19  (e que deve se aprofundar no pós-pandemia); bem como das desigualdades socioeconômicas e regionais existentes no país e, especificamente, no Espírito Santo.

Nos chamou muita atenção o fato de o CadÚnico contribuir de maneira importante para reunir as informações quanto as condições de vida e trabalho de grande parcela dos trabalhadores/as brasileiros/as. Qual a importância da/do profissional de Serviço Social em processos de investigação da realidade? Em especial, nesses processos que ultrapassam os limites da universidade e que alcançam os espaços de trabalho.

Conforme destacamos na Nota, em nosso levantamento, em ambos os casos, nacional e estadual, a maior parte dos/das beneficiários/as estavam já inscritos/as no CadÚnico e, portanto, eram usuários/as do Sistema Único de Assistência Social (59% dos que receberam o benefício). Isto demostra a importância da estrutura do SUAS, via CadÚnico, como facilitadora da capilaridade e efetividade alcançada na garantia ao direito de recebimento do Auxílio Emergencial e, em geral, no atendimento às parcelas mais pobres da classe trabalhadora brasileira. Porém, também é uma evidencia da condição de pobreza em que vivem as famílias que recebem as prestações da Assistência Social no país, especialmente o programa Bolsa Família.

A importância da presença de profissionais de Serviço Social em investigações dessa natureza se refere à própria especificidade de nossa formação profissional. Ou seja, aos elementos que se apresentam ao longo dessa formação e que nos permitem compreender a origem das desigualdades sociais; o fenômeno da pobreza e sua reprodução e ampliação, em contraposição ao aumento da concentração e centralização de capitais no capitalismo contemporâneo. A especificidade de nossa formação traz o debate sobre a questão social e suas manifestações, bem como indicam a importância e a necessidade de aproximação com a vida concreta, com as condições de sobrevivência da população. Esse aspecto nos possibilita tecer análises sob um ponto de vista da classe trabalhadora e numa perspectiva crítica ao capital. Esse pilar relativo à nossa compreensão, de como a vida está organizada nessa sociedade, nos permite estudar fenômenos específicos, como o benefício do Auxílio Emergencial, e identificar sua função imediata junto aos que vivem do trabalho, mas também as contradições que o envolvem, assim como a análise crítica que fazemos quanto à função das políticas sociais nessa sociedade.

Qual a importância dessa pesquisa, entre outras, acadêmicas ou não, para o Serviço Social?

É importante que a Universidade cumpra sua função social através do ensino, pesquisa e extensão, tendo em vista as demandas postas pela sociedade. Neste momento de pandemia por COVID-19, nada deve ser mais caro para a Universidade Pública brasileira do que estudar as consequências deste momento para a população em geral.

Para além do espaço acadêmico, os/as assistentes sociais têm, em sua formação, disciplinas que apresentam em seus conteúdos a importância da pesquisa pelos/as profissionais de Serviço Social. Assim, independente do local de trabalho, a pesquisa deve ser uma das atividades presentes no trabalho do/da assistente social. Esses/as profissionais podem pesquisar, por exemplo, sobre o território onde trabalham, sobre o perfil da população atendida, dentre outros. Quanto maior a consciência desses/as trabalhadores/as sobre a vida da população com a qual trabalha, mais interlocução com esta é possível para a elaboração de projetos e ações que visem responder à suas demandas e necessidades.

A senhora, em especial pela sua experiência de atuação como presidenta do CRESS, assim como quando atuou na política de assistência social do município de Vila Velha, no CREAS, pode nos dizer da importância dessa articulação que foi feita para o desenvolvimento da referida pesquisa? Em especial sobre a importância da categoria se apropriar de dados de pesquisa para melhor compreender a relação entre a construção e execução das políticas sociais em face das demandas objetivas da população, e a mediação do fazer profissional do Serviço Social?

Quando trabalhei na Política de Assistência Social do município de Vila Velha, no CREAS, frequentemente realizávamos levantamentos a partir dos Diagnósticos Socioeconômicos e outros formulários e registros de acompanhamento da população. Estes levantamentos são fundamentais para formular Projetos de Intervenção, tendo em vista a demanda daquela população. Também realizamos levantamentos acerca de nossas condições de trabalho e elaboramos um documento sobre isso que apresentamos, enquanto equipe técnica, formada por assistentes sociais, psicólogas e terapeutas ocupacionais, para a Gestão do Município e para o Conselho Municipal de Assistência Social, demonstrando os diversos pontos da legislação sobre a Política de Assistência Social que estavam sendo descumpridos pelo executivo, violando direitos dos/das trabalhadores/as e da população usuária dos serviços dessa política. Essas iniciativas comumente são realizadas por equipes técnicas nas quais atuam os/as assistentes sociais, e é fundamental termos canais de troca de experiências e interlocução para divulgarmos essas iniciativas. Nesse sentido, pesquisar, levantar dados e fazer os registros ou análises correspondentes é parte do trabalho dos/as assistentes sociais.

Pesquisas que tenham uma abrangência nacional e regional como as que costumam ser realizadas pelas Universidades – como o levantamento de dados que realizamos sobre o Auxílio Emergencial – permitem perceber as mediações entre aquela realidade específica de nosso lóccus de trabalho profissional e o relativo às condições de vida e trabalho da população do país. Estas mediações são fundamentais para perceber aproximações e refrações nesses diferentes níveis de investigação, elevam nosso nível de consciência sobre a realidade concreta de parcela importante da população, bem como permitem estudos, pesquisas e intervenções mais acertadas.

Diante dessa análise da política de assistência social em face dessa crise econômica e sanitária, o que mais chamou a sua atenção, enquanto Assistente Social, nos dados apresentados pela pesquisa?

O que chama atenção é exatamente o papel que a Política de Assistência Social no Brasil tem a cumprir num momento de crise do capital, que teve suas consequências mais recentes deflagradas pela pandemia do novo coronavírus. Em momentos como este, de aumento do desemprego, de aumento da necessidade por benefícios de transferência de renda, de empobrecimento da classe trabalhadora de forma geral, a Política de Assistência Social deve ter sua demanda aumentada. Neste sentido, seria fundamental que as equipes de trabalho dessa política dispusessem de condições de trabalho para pensar ações no plano mais imediato de demandas da população. Entretanto, essa política é uma das que menos recurso recebe da esfera federal historicamente e sua execução tem sido realizada de forma bastante precária no Brasil. Além disso, a função dessa Política é dar respostas “a quem dela necessita”, mas, haja vista os dados que levantamos sobre o Auxílio Emergencial, há um número significativo de trabalhadores/as no Brasil que sobrevivem de maneira bastante precária e sequer estavam identificados pelo CadÚnico (41% dos beneficiários). Esse aspecto reforça que nenhuma política social no capitalismo periférico brasileiro cumpre na integralidade sua função, isto porque essas políticas sociais fundamentalmente visam contribuir com a reprodução da força de trabalho como mercadoria para o capital. Essas políticas também resultam de disputas entre trabalho e capital dentro da ordem, tensionando, mas sem ameaçar o status quo.

A partir dessa pesquisa tão significativa, como você analisa esse aspecto presente no momento atual de disseminação de notícias falsas, de negacionismo da ciência e do “culto” ao senso comum?

Esses aspectos servem a continuidade do domínio hegemônico do capital. Através da difusão de notícias falsas, do obscurantismo da ciência, a verdade passa a ser relativizada e, assim, o debate político fica permeado por valores e concepções oriundas do senso comum. As pesquisas sérias que buscam revelar aspectos relativos às condições de vida de nossa população evidenciam contradições fundamentais do capitalismo, como a concentração de riqueza diante do aumento da pobreza, a precarização das condições e vínculos de trabalho, dentre outros. Expor essas contradições não interessa as elites do país.  Além disso, o obscurantismo científico atrela-se aos discursos neofascistas recentes, os quais costumam disseminar inverdades e criar “mitos” com o intuito de manterem seu projeto de poder.

E, pensando do “outro lado”, o que o/a profissional precisa ter para se posicionar contrário/a a esse estado de coisas que desvalorizam a ciência, o estudo, o conhecimento técnico-científico e a pesquisa? Passaria pelo compromisso ético desse/dessa profissional?

Certamente. Visto que é parte da formação profissional em Serviço Social o compromisso com o permanente aprimoramento intelectual, a formulação de pesquisas científicas, tanto na atividade acadêmica quanto nos demais locais de trabalho dos/das assistentes sociais, na forma de levantamentos permanentes, reflexões e análises sobre os vários aspectos que estão naquele âmbito. É parte do compromisso ético-politico constituir, em conjunto com a equipe de trabalho, grupos de estudos, levantamento de dados sobre a realidade concreta, bem como confrontar esses discursos neofascistas em suas diferentes facetas.

Sabemos que a pesquisa não é específica do Serviço Social, mas contou com a colaboração direta de profissionais dessa área, incluindo a senhora. Há algum canal de acesso para os resultados apontados pela pesquisas? Pode nos disponibilizar?Também queremos divulgar informações sobre o grupo de estudo da qual você faz parte. Se for do seu agrado, pode nos enviar os canais desse grupo? Blog, site, instagram, facebook… Teremos novas publicações sobre a pesquisa?

A primeira opção de divulgação dos dados foi via Nota Técnica. Diante da importância desses dados e de outros que têm sido levantados mais recentemente, este mesmo grupo de pesquisa está elaborando dois artigos científicos constituídos coletivamente, nos quais pretendemos tratar de maneira mais consistente e com maior abrangência de análise crítico-científica esses dados relativos ao Auxílio Emergencial. Assim, um artigo abordará especificamente a situação do Brasil e o outro as especificidades de nosso estado, abordando a distribuição deste benefício no Espírito Santo.

Link de acesso a algumas de nossas informações: https://infancia.grupo.pro.br

Por oportuno, agradeço em nome do grupo Desenvolvimento Social e Primeira Infância este espaço de interlocução junto da nossa categoria.

 

Primeiros dados apresentados!

<https://brasildebate.com.br/pesquisadores-do-es-analisam-dados-da-distribuicao-do-auxilio-emergencial/>

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