Entrevista CRESS/ES com Maria Helena Elpídio | CRESS-17

Entrevista CRESS/ES com Maria Helena Elpídio

08/07/2022 as 8:30

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Em maio deste ano, durante o XIII Encontro Capixaba de Assistentes Sociais, a professora Maria Helena Elpídio (UFES) também esteve presente, ao lado da professora Eblin Farage (UFF), compondo a mesa principal do evento, que tratou sobre “O Serviço Social tem lado, o das trabalhadoras em suas múltiplas existências e opressões. Chega de ameaça às liberdades democráticas! Chega de ataques aos direitos trabalhistas e sociais”.

Em pauta, questões que compõem a discussão sobre o sistema capitalista e o fortalecimento necessário da classe trabalhadora para conseguir fazer frente contra o avanço do neoconservadorismo e do neofascismo. A presença do Serviço Social junto aos movimentos de trabalhadoras/es brasileiras/os foi um dos assuntos abordados durante a mesa principal do evento, apontando caminhos para que nós, mulheres, assistentes sociais de luta, também façamos parte dessa mudança.

A professora Maria Helena Elpídio também conversou com o CRESS/ES ao final do evento. Confira logo abaixo!

Diante da atual conjuntura, qual a importância de reconhecer o seu lado e, principalmente, de saber exatamente que lado é esse?

O Serviço Social brasileiro, até os idos dos anos 70, foi uma profissão configurada como uma profissão conservadora, que sempre atuou junto às elites, junto às políticas públicas da época da ditadura, numa vertente muito forte de manutenção da ordem burguesa e todas suas práticas sociais.

A partir dos anos 70, em especial a partir de 1979, no Brasil, a gente teve a chamada Virada do Serviço Social. E por que estou recuperando esse elemento histórico? Porque nos anos 60 e 70 se travava um debate sobre a neutralidade do profissional Se exigia que a/o Assistente Social fosse um profissional tecnicista, que tivesse ali apenas para executar política pública, sem questionar o porquê e o que gerava as desigualdades ou a pobreza. Ou seja, a/o profissional trabalhava sem questionar o seu espaço de atuação e sem questionar o seu serviço.

A partir do amadurecimento teórico e político, e com uma aproximação muito forte à classe trabalhadora – e com um movimento, também, de proletarização da própria profissão; ou seja, essa profissão também passa a ser incorporada enquanto uma possibilidade de trabalho para as mulheres trabalhadoras no Brasil – o Serviço Social rompe com essa suposta neutralidade. E a partir daí é revelado que nós temos um lado nesta sociedade. E que nosso projeto profissional só existe porque nós temos a dimensão de que nós vivemos numa luta de classes, e de que pouco adianta atuar nas desigualdades sociais sem fazer com que elas deixem de existir, porque seria como se a gente continuasse dentro de uma lógica de enxugar gelo.

Ao assumir esse lado, o da classe trabalhadora, é possível afirmar que o Serviço Social passa a se fortalecer e a conseguir apoio para suas próprias lutas e suas próprias bandeiras?

É a partir dessa concepção de que o Serviço Social é parte de um trabalho especializado na sociedade que a gente vai buscar uma nova envergadura para essa profissão no campo da formação profissional, no campo da nossa atuação junto aos movimentos sociais, e se organizando também enquanto categoria, trabalhando na produção de conhecimentos que sirvam para a classe trabalhadora.

É nesse processo que as/os assistentes sociais brasileiras/os vão consolidar-se enquanto área do conhecimento, vão ampliar a formação universitária e vão fortalecer as suas entidades, tanto no âmbito do ensino e da pesquisa, que hoje temos a ABEPSS; quanto com o Conjunto CFESS/CRESS, que hoje são os nossos conselhos, e com a ENESSO, que é a organização dos estudantes.

Isso vai trazer um diferencial enorme, porque a leitura da realidade que a gente passa a fazer enquanto profissão e enquanto sujeito coletivo dá uma dimensão mais exata do que é a realidade da classe trabalhadora e do próprio Brasil. Lógico que isso ganha uma análise mais madura sobre a realidade e, consequentemente, sobre o conjunto de estratégias e de respostas para isso. É quando a gente vai se ampliar nas mais diferentes políticas públicas, e não só para executar essas políticas; a gente se torna gestor/a, planejador/a dessas pesquisas, pesquisador/a. E o campo de trabalho social, em especial o trabalho do Serviço Social, vai ganhar um status bem diferente do que tinha antes, quando era muito comparado ao que seria um trabalho mais voluntarista, voluntariado, um trabalho descolado das reais demandas da classe trabalhadora.

Se aproximar da classe trabalhadora é se autoconhecer, mas também compreender as suas próprias necessidades enquanto Serviço Social?

Sem dúvida. Ter a dimensão do trabalho e também do Serviço Social enquanto parte desse trabalho na sociedade capitalista nos coloca desse lado da classe trabalhadora. Em especial para uma categoria que é predominantemente de mulheres, e de mulheres proletariadas, que têm trabalhos precarizados, que têm famílias, que têm demandas. Mas mulheres que também têm um conjunto de estratégias coletivas, construídas ao longo desses últimos anos, e que são de enfrentamento a tudo aquilo que nos oprime, a tudo aquilo que é gerador real das desigualdades que residem no próprio sistema capitalista.

Associar essa dimensão do trabalho à dimensão de uma luta de classes e da defesa da classe trabalhadora certamente fortalece nossa categoria e certamente dá um horizonte mais amplo, em especial numa conjuntura como esta, de desmonte de política pública, de desmonte de direitos, de negação dos sujeitos na sua diversidade. Negação, inclusive, dessa gama de trabalhadores/as, de assistentes sociais, e em especial das próprias mulheres, que precisam neste momento, mais do que nunca, dizer que vão continuar sobrevivendo.

Se fortalecer nesse espaço e ter no Serviço Social esse espaço de luta e de reconhecimento enquanto classe trabalhadora nos coloca diante da possibilidade de construção de futuro. Porque se desmontou tudo! E a gente ainda está atrelada, grudada residualmente a essas políticas que, hoje, estão cada vez mais conservadoras, como se a gente tivesse perdendo o bonde da história ou voltando direto pro passado.

Esse caminho de se fortalecer enquanto classe trabalhadora e, assim, também se defender enquanto profissão, também é uma forma de lutar contra o capitalismo?

Sem sombra de dúvidas é uma forma de resistência, em especial com a presença atual desse neoconservadorismo e neofascismo que assolam o nosso país. E também é nos reposicionar frente à luta pela própria existência. Essa luta pela resistência enquanto classe exige de nós, certamente, saber quem está do outro lado e quem é o nosso inimigo: o capitalismo.

E foram as lutas anticapitalistas que inspiraram, lá atrás, que o Serviço Social brasileiro tivesse a sua Virada. E esse anticapitalismo não é um qualquer, é um anticapitalismo radical; ou seja, da sua superação. E é ele quem alimenta, quem dá fôlego para continuar lutando, e não só para o Serviço Social brasileiro, mas para toda classe trabalhadora.

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