MARIELLE VIVE E SUAS IDEIAS NOS ACOMPANHAM! | CRESS-17

MARIELLE VIVE E SUAS IDEIAS NOS ACOMPANHAM!

19/03/2018 as 10:10

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Choveu no ato do 08 de março. Choveu na morte de Marielle. Me lembra a chamada das companheiras do RJ para o ato: “Só o que cai do céu é chuva, o resto é luta”. A chuva pode representar nossas lágrimas, nosso luto. Mas a chuva também pode representar nossa força, a irrigação da natureza, o renovo. Como dizemos no movimento: “quiseram nos enterrar, mas esqueceram que éramos sementes”. Então, nosso luto, vira verbo. Vira resistência. E aí fico com as palavras do nosso querido poeta e professor Mauro Iasi: “Marielle vive! Cada gota de chuva lava nossa cidade, cada raio a ilumina, cada gota de sangue que cai na terra renasce na luta que nunca termina”.

Mulheres de luto em luta foi o nosso tema do 08 de março em terras capixabas. Refletimos durante toda a construção coletiva porque estamos de luto e para que estamos em luta no Espírito Santo. Hoje minha resposta seria, por Marielle e para que suas ideias permaneçam vivas. Alguns poderiam dizer que Marielle morreu porque era uma mulher de coragem. Mas essa análise é insuficiente. Morreu por ser negra, por ser favelada, por ser lésbica, por ser trabalhadora, por ser militante dos direitos humanos. Marielle, com certeza, era mulher de coragem, mas morreu porque tinha cor, classe, sexo e orientação sexual. Refletir sobre o cenário de violência, retirada dos direitos e as mulheres em luta no Brasil, não é possível sem falar sobre Marielle.

FALAR SOBRE ELA NÃO É UMA HOMENAGEM INDIVIDUAL. É FALAR SOBRE UM PROJETO DE SOCIEDADE QUE ELA REPRESENTAVA. ANALISAR SUA MORTE É FALAR SOBRE UM SISTEMA QUE A MATOU

Em entrevista ao Le Monde Diplomatique, Marielle disse que “em meio a tanta desigualdade, ao racismo e ao sexismo, a chegada da mulher negra na institucionalidade surpreende. Nossa presença assusta o conluio masculino, branco e heteronormativo” Marielle dá aí a definição de nosso sistema, já falado por Angela Davis em “Mulher, raça e classe”, por Heleith Safiotti quando cita o nó “classe, raça e sexo”, por Kimberlé Crenshaw ao falar sobre interseccionalidade, por Danièle Kergoat ao falar sobre consubstancialidade ou Jules Falquet denunciando tal imbricação.

Marielle denunciava esse governo que representa esse sistema: homens brancos, ricos, héteros. Helena Hirata e Daniele Kèrgoat falam sobre esse princípio da separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher). Por isso, espaços de poder são masculinizados. Ela desafiou isso.

FALAR SOBRE MARIELLE É FALAR SOBRE UMA DEFENSORA DOS DIREITOS HUMANOS

O Brasil está entre os países que mais mata militantes de direitos humanos. O Brasil teve 58 ativistas mortos em 2017 segundo dados da anistia internacional. É lutar num país que possui uma lei antiterrorismo criminalizando os movimentos sociais.

FALAR SOBRE MARIELLE É FALAR SOBRE SER LÉSBICA E POR TODA OPRESSÃO SOFRIDA REFERENTE À ORIENTAÇÃO OU IDENTIDADE SEXUAL

Num país onde as lésbicas são vítimas de violências diárias como estupro corretivo e lesbocídio. Num país em que se mais mata travestis e transexuais. Segundo a Antra, a cada 48 h, uma pessoa trans é assassinada no Brasil.Em 2017 foram contabilizados 179 assassinatos. Nesse mesmo país onde foi vetado, em 2011, um kit nas escolas para a luta antilgbtfóbica. O kit era parte do projeto “Escola sem Homofobia” e tinha como objetivo abrir um debate nas escolas sobre diversidade, desigualdade e preconceitos.
Importante refletir sobre isso, no Espírito Santo, o município de Ecoporanga cria a Lei municipal nº 1876 de 09/02/18 que proíbe quaisquer atividades na grade curricular com temática sobre“ideologia de gênero” nos estabelecimentos de ensino do município. Isto foi denunciado pelo Fórum Estadual pela Cidadania LGBT e carta de repúdio assinada por diversos movimentos do ES.

FALAR SOBRE ESSAS MORTES É FALAR SOBRE O AUSTERICÍDIO

Políticas de ajuste fiscal que empobrecem e matam a classe que vive vendendo sua força de trabalho. Fazer o enfrentamento permanente ao neoliberalismo, combatendo as privatizações e as contrarreformas das políticas sociais públicas.
Anderson Gomes, casado com uma servidora do RJ, fazia bicos necessários, diante do desrespeito que os trabalhadores do RJ estão vivendo. Nessa hora lembro dos nosso lutadores e lutadoras da UERJ e da UERN, que falam que a greve é por dignidade.

FALAR SOBRE MARIELLE É FALAR SOBRE A LUTA POR EDUCAÇÃO

Uma mulher negra, nascida na maré, que cursou sociologia e era mestra em Administração pública, já denunciando as UPPS. Em tempos desse projeto de desmonte da universidade pública, de fraudes nas cotas, de falta de políticas de permanência. Mulheres são maioria na universidade, mas os estudos não se traduzem em melhores salários. Há uma diferença de 24% entre homens e mulheres com 5 a 8 anos de estudos, que aumenta para 33,9% quando temos 12 ou mais anos de estudo.

E apesar de toda nossa qualificação e estudos, ter que ouvir como esse presidente ilegítimo falou no ano passado no 08 de março, em tom de homenagem, restringindo nossa participação na economia à análise de preços do supermercado, além de determinar que é responsabilidade da mulher a criação dos filhos e das filhas. Reafirmamos a importância social e econômica da mulher e de seu trabalho, tanto o produtivo, quanto o reprodutivo para a manutenção da sociedade e da produção. Temer com sua visão patriarcal inferioriza mulheres, economistas e economistas mulheres. Uma violência às pautas feministas, a toda história de luta do movimento e da própria origem do dia internacional da mulher

FALAR SOBRE MARIELLE, FALAR SOBRE MULHERES TRABALHADORAS

É lutar pelo reconhecimento do direito universal ao trabalho sem assédio
sexual e/ou moral, com igual remuneração para o mesmo trabalho entre homens e
mulheres, e à previdência social;
É relembrar que em 2017, um movimento foi articulado nacional e internacionalmente, convocando uma Greve Internacional de Mulheres. Uma das frases de (des)ordem era “Se nossas vidas não importam, que produzam sem nós”. A importância da luta internacional e da parada das mulheres buscam evidenciar que a exploração do nosso trabalho produtivo e reprodutivo são fundamentais para o funcionamento da sociedade.

FALAR SOBRE MARIELLE É FALAR CONTRA A INTERVENÇÃO MILITAR, CONTRA O EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE  NEGRA. É FALAR QUE SOMOS TODOS ACARI, QUE A VIDA NAS FAVELAS IMPORTAM! É FALAR CONTRA A MORTE DE MULHERES.

Treze mulheres são assassinadas por dia no Brasil. A taxa de homicídios entre mulheres cresceu 11,6% em dez anos (2014 a 2014) e 18 estados apresentaram taxa de mortalidade por homicídio de mulheres acima da média nacional, dentre eles o Espírito Santo.
É falar sobre isso num estado em que nos homicídios de mulheres brancas, figura em 5º lugar nacional, porém no homicídio de mulheres negras, assume a triste liderança no ranking, com a taxa de 11,1 a cada 100 mil mulheres.
No Brasil, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras.  Em 10 anos, a letalidade aumentou 18, 2%. Entre os jovens, de 15 a 29 anos, nos próximos 23 minutos, uma vida negra será perdida.

FALAR SOBRE MARIELLE É FALAR SOBRE UMA MÃE QUE SEMPRE LUTOU PELOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DAS MULHERES. PELO DIREITO DE ESCOLHA.

E em tempos de PEC ‘Cavalo de Troia 181/2017 e PL 5069 do Eduardo Cunha. É lutar contra isso numa realidade em que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada.
De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) de 2015, o Espírito Santo também lidera o ranking de estados brasileiros de crimes contra a dignidade sexual. Não só por ser uma questão de saúde pública, mas por lutar pela autonomia e liberdade de escolha das mulheres em todas as esferas
da vida: pessoal, política, econômica, social e cultural.

Falar sobre uma mulher que é mãe, num país com altos índices de violência obstétrica, além da naturalização do destino mulher-mãe e da sobrecarga social que vem com esse título. O ministro da saúde em março de 2017 Ricardo Barros, por exemplo, apresentou metas de combate à obesidade no país. Novamente, culpabilizou as mulheres pelo adoecimento infantil: “As mães não ficam em casa e as crianças não têm a oportunidade de acompanhar, como era antigamente, a mãe nas tarefas diárias, na preparação do alimento”, sem citar em nenhum momento a possibilidade de participação do homem no preparo e consumo dos alimentos

Diante de toda essa realidade, cabe reafirmarmos que o FEMINISMO É LUTA COLETIVA CONTRA TODA FORMA DE EXPLORAÇÃO E OPRESSÃO!
Precisamos construir e manter um feminismo para 99%, como nos conclama Ângela Davis. É compreender que toda a desigualdade, toda a violência, todo o preconceito, toda opressão não é só cultural, não é conjuntural, não é passageiro. É estrutural, é a forma que esse sistema tem para se manter às custas das nossas vidas. Precisamos realizar permanente crítica ao modo capitalista de produção e, de todas as opressões que o alimentam, pois ele é injusto, explorador, predatório e insustentável do ponto de vista político, econômico, social, ambiental, cultural e ético. E “nada causa mais horror à ordem que mulheres que lutam e sonham” (José Martí).

Por Marielle, nenhum minuto de silêncio, uma vida inteira de luta. Nós seremos resistência, porque você foi luta. Por Marielle, por Anderson, Por Claúdia, Por Dandara, Por Amarildo, Por Thayná.

Mulheres em luta, até que lutar não seja mais preciso. Pois como nos ensina Brecht:  “em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar”.

Marielle vive e seu projeto de sociedade também! Vimos mais de 20 cidades, além de países, mobilizados em protesto e em homenagem à sua vida! Não vamos desesperançar, outro mundo para todos e todas é preciso!

Emilly Marques Tenorio, assistente social e militante do Fórum de Mulheres do ES.

➡️ O Fórum de Mulheres do ES existe há 25 anos. Para saber mais, acesse:

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