Mulheres e a COVID-19: sobrecargas, violências e desproteção social | CRESS-17

Mulheres e a COVID-19: sobrecargas, violências e desproteção social

30/04/2020 as 3:58

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Já é do conhecimento de todas/os que vivemos uma situação de Pandemia mundial em decorrência do Coronavírus (COVID-19) que tem afetado nossas vidas cotidianamente. Vivemos um momento, nunca antes conhecido na história do Brasil, onde toda a sociedade precisou adequar-se a algumas orientações e recomendações de organismos internacionais que sugerem o isolamento, confinamento, cuidados com a saúde, etc.

Nesses termos, podemos considerar que grande parte da população tem sido alvo desse contexto que vivenciamos. Mas questionamos: quais setores, pessoas estão sendo mais afetadas?

O vírus não escolhe classe, raça ou gênero para infectar. Mas suas consequências mais drásticas têm como alvo corpos de uma classe, que tem gênero e raça. Não escolhe os corpos que infecta, porém a exposição de pessoas que vivenciam uma profunda insegurança social e a situação de extrema pobreza direcionada, principalmente, a população negra no país, é um marco importante para afirmarmos que a permanência ou cura, a partir das condições acessadas, é sim possível para umas pessoas e para outras, não.

As condições de habitação, de acesso à água potável e aos serviços de saneamento, à informalidade e precariedade do trabalho e de cuidados domésticos e familiares são parte da linha que separa, por um abismo, o modo como os/as ricos/as e os pobres no Brasil vão atravessar essa pandemia. Como ignorar as famílias que moram nas comunidades do Brasil, cujas casas são aglomeradas e sem ventilação? Ou comunidades sem qualquer acesso à política de saúde ou com serviços inexistentes e/ou precarizados, mesmo antes da pandemia? Como considerar a mesma condição de isolamento, cuidados, higienização para todas/os?

Dito tudo isso, nos chama a atenção em como alguns corpos são escolhidos para vencer a batalha da sobrevivência, correndo à frente na pista de corrida do anseio pela vida, enquanto outros são jogados à própria sorte e colocados para correr sem que haja qualquer igualdade nas condições propostas. É uma política genocida que sempre esteve em curso neste país, que neste contexto vitimiza grandes contingentes populacionais.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, as mulheres representam 70% das/os profissionais que estão na linha de frente ao enfrentamento do Coronavírus, sendo, portanto, as que têm mais possibilidades à infecção. Por conta dos cuidados e orientações referentes à prevenção à COVID-19, elas têm estado ainda mais sobrecarregadas em seus trabalhos, além de muitas não terem direito à quarentena ou ainda às condições mínimas de prevenção ao contágio.

Ainda, as mulheres negras são a maioria nas empresas terceirizadas, em especial as que cumprem função de limpeza, além de caixas de supermercado, farmácias, nos serviços de enfermagem ou nos serviços domésticos, servindo a classe-média-isolada. Não à toa, o primeiro caso de morte no Brasil por causa do Coronavírus foi de uma mulher, moradora do Rio de Janeiro, de 63 anos que contraiu a doença de sua patroa, que tinha acabado de voltar da Itália. E aqui no Espírito Santo, oito trabalhadores/as de um supermercado localizado na área nobre de Vila Velha (município da região metropolitana do estado) testaram positivo para a COVID-19.

Sabemos, também, que a informalidade é uma realidade comumente imposta às mulheres negras brasileiras. São milhares de diaristas, manicures, cabeleireiras, vendedoras, motoristas de aplicativo que estão perdendo, neste período, a única fonte de renda que possuem e que sustentam suas famílias. E que, por uma condição de sobrevivência, se expõem ao risco de permanecer exercendo as suas atividades laborais.

Para muitas delas, o isolamento não é uma possibilidade. Ou se fica vulnerável e exposta ao vírus, ou não há possibilidade de garantir as condições concretas para seu sustento e de sua família e pagar as contas ao final do mês. A questão tem sido: “Ou morro de vírus, ou morro de fome”.

A Renda Básica Emergencial, uma das medidas adotadas de auxílio à essas famílias, em sua maioria chefiada por mulheres, prevê o pagamento mensal de R$600,00 às famílias que estão nessas condições precárias de sobrevivência e, nos casos de mães “chefes de família”, o pagamento de R$1.200,00. O benefício contribuirá com a sobrevivência de muitas nesse período, mas sabemos que são insuficientes para a proteção e garantia de condições concretas para as necessidades que essas mulheres/famílias necessitam. Sem contar que, desde a sua liberação, milhares de pessoas ainda estão em situação de análise e espera, sem ter recebido.

Outro aspecto importante a considerarmos é sobre a intensificação do trabalho doméstico e cuidado com os/as filhos/as daquelas mulheres que podem cumprir com o isolamento. Com o fechamento das escolas e crianças em casa, ou com a necessidade de cuidados especiais com idosos/as naquela determinada família, as mulheres têm sido responsabilizadas e sobrecarregadas. Além disso, com os cuidados relacionados à prevenção da doença, como lavagem das roupas de quem vai à rua, lavagem das roupas de cama e banho, higienização dos utensílios pessoais e das compras do mercado, etc.

As trabalhadoras domésticas também estão duplamente expostas. Essa categoria, que concentra 6 milhões de profissionais de todo país, de acordo com a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad),  em que as mulheres negras são a maioria, sendo este um dos resquícios de um país colonial. Ou estão em contratos de trabalho sem qualquer proteção ou não usufruem da possibilidade de isolamento social sem descontos em seus salários.

Ainda, o âmbito doméstico é o espaço em que muitas mulheres sentem insegurança e risco. Com esse período de isolamento e a relação direta de convivência familiar, a violência doméstica tem aumentado ainda mais. O lugar que para alguns, nesse período, serve de proteção, para algumas mulheres, é um lugar de desproteção e um local de encontro com a dor e com a violência. E, nesse sentido, temos que nos reportar aos nossos princípios éticos no que diz respeito ao não julgamento da condição e escolha  das usuárias que atendemos. São séculos de opressão e cultura patriarcal introjetada na reprodução da vida das mulheres. Inclusive, nossa profissão é predominantemente composta por mulheres que em seu exercício profissional, atende em sua maioria, mulheres. Essas mediações são necessárias e necessitam de fontes seguras de informação para atuarmos  com uma visão crítica da totalidade dessa realidade.

O fortalecimento de setores conservadores e o aumento de suas influências dentro do Estado pautam inúmeros retrocessos nas medidas de “contrarreforma” que incluem a legislação sobre os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. No Brasil, em meio a uma conjuntura desastrosa para a classe trabalhadora, a pauta das mulheres é parte da luta mais geral da população. Perpassa o debate das eleições, da economia, das condições de vida da população brasileira de forma geral. O Serviço Social brasileiro se aproxima e se identifica com as pautas do movimento de mulheres. Assistentes Sociais vivenciam expressões do machismo em suas casas e vidas, e também lidam com outras vítimas do machismo em seu cotidiano profissional (CFESS, 2019).

Por fim, chamamos a atenção de todas/os assistentes sociais que têm trabalhado com essas mulheres em meio a todo esse contexto que estamos vivenciando. Nossa orientação é que estejamos sempre em coerência e condizentes com as defesas da nossa profissão, nosso Código de Ética Profissional e Bandeiras de Luta. Além disso, precisamos estar na luta pela continuidade dos serviços essenciais que podem responder ao crescimento dos casos de violência contra as mulheres nesse período de reclusão, com os devidos cuidados recomendados pelas organizações de saúde.

Que estejamos na luta incessante em defesa e pelo não sucateamento do SUS e pela Revogação da Emenda Constitucional 95, que limita o investimento nas áreas sociais, como na saúde, e resulta no sucateamento do serviço público.

 

Texto produzido por Tuanne Almeida (Assessora em Serviço Social do CRESS 17ª região), Sislene Gomes (Agente de Fiscalização do CRESS 17ª região) e as conselheiras Emilly Marques e Sabrina Moraes. 

 

Algumas indicações de leituras e vídeo:

Texto: Capital, pandemia e os papéis do feminismo

Texto: Quando o isolamento é letal para as mulheres

Cartilha: Assistentes Sociais no combate ao preconceito – Machismo (Caderno 6)

Live: A condição das mulheres trabalhadoras frente à Pandemia, com Mirla Cisne (UERN) e Rosineide Freitas (UERJ) – ANDES

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