O machismo, o capitalismo e a desvalorização profissional do Serviço Social | CRESS-17

O machismo, o capitalismo e a desvalorização profissional do Serviço Social

22/01/2024 as 8:45

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O trabalho da/do Assistente Social e a desvalorização da sua função ressoam diretamente no olhar patriarcal da sociedade para o Serviço Social e as atuações dessas/es profissionais. Um exemplo disso é o resultado de uma pesquisa publicada no segundo semestre do ano de 2023, com diversas matérias em sites e jornais brasileiros reforçando a criação de um “ranking” do que seriam os “piores” e “melhores” salários de 126 profissões brasileiras, com ensino superior e com valores referentes a atuação no setor privado.

O levantamento, feito pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), coloca as/os Assistentes Sociais entre as/os profissionais com menor remuneração, com média salarial de R$ 3.078,00 – um recuo de 7% em relação ao período de 2012. Mas o que isso significa? Por que a remuneração está entre as piores? E de que forma é possível atuar para reverter essa condição?

Como bem argumenta a presidenta do CFESS, Kelly Melatti, o resultado dessa pesquisa possibilita diversas reflexões. E a primeira passa pela origem da profissão de Serviço Social, que está associada à caridade e à ajuda, isso antes dela se tornar regulamentada. “Na década de 1930, a imagem da profissão era associada à caridade. Quase um século depois, uma parcela da sociedade ainda enxerga as assistentes sociais como pessoas que ‘ajudam ao próximo’, o que acaba por desvalorizar uma profissão que é regulamentada”, explica Melatti.

É o que também destaca a agente fiscal do CRESS-ES, Sislene Pereira Gomes, ao argumentar sobre a divisão sexual do trabalho, e que estabelece às mulheres a função social do cuidar. “Uma função que sabemos ser desvalorizada, não reconhecida na sociedade capitalista-patriarcal em que vivemos. As ditas profissões feminizadas (predominantemente ocupadas por mulheres) numa sociedade patriarcal, são vistas com um caráter ‘missionário’, altruísta, em detrimento do reconhecimento do trabalho técnico, especializado”, argumenta Gomes.

O que nos leva à segunda reflexão apresentada por Melatti. Para a presidenta do CFESS, ainda há o fato de o Serviço Social ser majoritariamente formado por mulheres, sofrendo também o machismo e o sexismo da sociedade. “Afinal, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PnadC), realizada pelo IBGE (2022), mulheres recebem 21% menos que os homens. Isso impacta também na nossa profissão”, reforça a presidenta.

Gomes complementa: “Como dizem as professoras de Serviço Social, Mirla Cisne e Silvana Mara, ‘o selo de identidade profissional do feminino’. Isso quer dizer que essa sociedade espera qualidades natas atribuídas às mulheres, boas, cuidadosas, que atuam com o ‘coração’. Apesar do processo histórico de renovação da profissão, de mudança teórica, ética e política, mesmo tendo conquistado a inserção na divisão sociotécnica do trabalho, o Serviço Social ainda é considerado como de ajuda. Consequentemente, há uma desvalorização que se expressa na remuneração, na não condição de trabalho necessária para desenvolver as intervenções nas políticas públicas a partir das dimensões do Serviço Social Contemporâneo”, defende.

Argumento também apresentado pela assistente social e Doutora em Política Social (PPGPS/UFES) Leila Menandro, atualmente cursando o pós-doutorado. Ela traz, por exemplo, os dados do recadastramento realizado em 2019 pelo CFESS e que registrou que o Serviço Social brasileiro permanece como uma profissão majoritariamente feminina (quase 93% das pessoas que responderam ao recadastramento se identificam com o gênero feminino). E outro dado importante apresentado neste levantamento é que 50,34% se autodeclararam como pretas/pardas/negras (CFESS, 2022).

“Levando em consideração que a sociedade capitalista é também patriarcal e racista, gênero e raça constituem uma peça do complexo quebra-cabeça que reflete a desvalorização da profissão no Brasil. Por um lado, temos que as profissões ligadas aos cuidados são atribuídas, historicamente, às mulheres por uma falaciosa condição natural, o que coloca o ato de cuidar como algo compulsório e gratuito; por outro, o racismo estrutural da sociedade normaliza a desvalorização da força de trabalho, sobretudo do grupo de pertença étnico-racial negra, naturalizando a exploração do trabalho dessas/es trabalhadoras/es”, explica Menandro.

Como avalia Menandro, o gênero e a raça determinam os grupos que estão mais expostos ao desemprego, ao subemprego, ao trabalho mal remunerado e até mesmo não remunerado. “Se na dimensão da aparência, a desvalorização das profissões majoritariamente compostas por pessoas do gênero feminino e negras é compreendida como algo que ‘sempre foi assim’, é na dimensão da essência que observamos que são atividades socialmente necessárias e que garantem a reprodução da sociedade capitalista. O que parece trabalho ‘menos importante’ é, na verdade, fundamental para o funcionamento e para a manutenção do sistema.  

E ainda há um terceiro elemento, segundo a presidenta do CFESS, e que merece ser destacado. Porque apesar da pesquisa levar em consideração as remunerações do setor privado, há de se destacar o espaço de trabalho da maioria da categoria, que é no setor público. “Assistentes sociais estão no serviço público, em especial no executivo municipal e estadual, que possuem os salários mais baixos do funcionalismo público (comparado com o Legislativo e Judiciário)”, recorda Melatti. E ter uma referência salarial mais baixa, em comparação a outras profissões e outras autarquias, indiretamente influencia a remuneração no setor privado.

Sobre esse assunto, Menandro também considera que, somado à questão gênero e raça, está o fato de que a profissão de Serviço Social tem um caráter interventivo nas expressões da questão social, mais precisamente sobre a população trabalhadora que enfrenta o desemprego, o trabalho precário e mal remunerado. “Em tempos de precarização das políticas sociais e da promoção de políticas e de ideias neoliberais – nas quais se enaltecem o individualismo, a meritocracia e a culpabilização dos pobres por sua condição – o Serviço Social tende a ser colocado, pela classe dominante e pelo Estado, em um lugar de pouca importância, embora saibamos que nesse momento somos ainda mais necessárias”, afirma.  

Mas o que se deve fazer a partir desta realidade? 

Na visão da agente fiscal Sislene Pereira Gomes, que concorda que, na sua gênese, o Serviço Social não possuía uma perspectiva crítica acerca da questão social, é fundamental recordar que essa perspectiva mudou. “Hoje avançamos e, nesse sentido, podemos e devemos questionar e enfrentar o conservadorismo reproduzido também no interior das profissões. Isso requer que a categoria se aproprie desse acúmulo teórico e ético-político articulado à organização política junto aos movimentos sociais organizados da sociedade”, pontua.

A presidenta do CFESS, Kelly Melatti, lembra que o Conjunto CFESS-CRESS tem a tarefa não só de orientar e normatizar, mas também de valorizar e defender a profissão, reforçando que são realizadas ações e elaboradas normativas que buscam essa valorização do trabalho de assistente social.

“Além de campanhas anuais do 15 de maio, Dia da/o Assistente Social, pela qual mostramos a importância do trabalho da categoria, há também ações regionalizadas, como a atuação dos CRESS em concursos públicos cujo salários estão abaixo de outras profissões de nível superior ou também abaixo do mercado de trabalho; assim como resoluções para garantir as condições éticas e técnicas do trabalho; bem como o acompanhamento de projeto de leis que tratam sobre o piso salarial de assistentes sociais. Sobre essa última ação, inclusive, lançamos uma websérie em vídeo para falar dos desafios que se é aprovar um piso salarial para a categoria”, destaca Melatti.

E essa luta por melhoria da remuneração de assistentes sociais, que vem sendo pauta do Conjunto CFESS/CRESS há anos, como apresenta Menandro, deve ser uma luta de todas e de todos que compõem a categoria.

“A fixação do piso salarial nacional é fundamental para que haja melhora na remuneração, e é preciso que o Conjunto permaneça pressionando os/as parlamentares. No entanto, o projeto de lei necessita passar pelos ritos do Congresso Nacional para ser aprovado e sabemos que, mesmo após virar lei, vai enfrentar difíceis obstáculos. Sendo assim, é necessária também a movimentação das/os profissionais nos seus locais e setores de atuação, divulgando a importância do trabalho que realizamos. No Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países, a população confia na atuação de assistentes sociais e nos convoca para participar de suas batalhas diárias para acessar direitos. Precisamos, da mesma forma, convocar a população para se somar a nós na luta pela valorização do nosso trabalho”.

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