Serviço Social e a População em situação de rua! | CRESS-17

Serviço Social e a População em situação de rua!

18/12/2023 as 4:54

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Texto produzido com informações de Mindu Zinek* e Teófilo Roberto de Souza**

A convite do Conselho Regional de Serviço Social do Espírito Santo (CRESS-ES), o assistente social Mindu Zinek, que atua no Território do Bem, e o coordenador do Movimento dos Trabalhadores em Situação de Rua (MTSR), Teófilo Roberto de Souza, dialogaram sobre as legislações nacionais e municipais que impactam na vida das pessoas que estão em situação de rua. O ano de 2023 foi marcado por projetos de leis questionáveis em Vitória e Vila Velha, por exemplo, e que caminham em direção oposta à determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e das mais recentes leis de proteção a essa população.

Há poucos dias, houve a assinatura do presidente Lula pelo sancionamento da Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe o uso de materiais, estruturas e técnicas construtivas hostis nos espaços livres de uso público, adotados com o objetivo de afastar as pessoas em situação de rua de ambientes públicos; assim como também foi aprovada pelo Senado a criação da Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua (PNTC PopRua), projeto de lei (PL) de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) e que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, sendo encaminhado, agora, para a sanção presidencial; e com essa lei tendo como objetivo promover o acesso ao trabalho, à qualificação profissional e à elevação da escolaridade da população em situação de rua

Além disso, junto à Lei Padre Júlio Lancellotti, houve o lançamento do Plano Nacional Ruas Visíveis pelo governo federal, sendo que o primeiro dos sete eixos prioritários do novo programa é paras as áreas da Assistência Social e Segurança Alimentar, com verba de R$ 575,7 milhões, e o segundo sendo o eixo de Saúde, com R$ 304,1 milhões de verba prevista. Esses recursos devem ser repassados para estados e prefeituras. E uma das frentes envolve formar 5 mil profissionais que atuem no cuidado às pessoas em situação de rua, além da ampliação de unidades de acolhimento para essa população: a meta é abrir 52 novos pontos.

O assistente social Mindu Zinek destaca que há cerca de quatro meses, em agosto de 2023, o STF determinou, a partir da decisão do ministro Alexandre de Moraes, que o Governo Federal, os estados e os municípios criassem planos para atender de forma mais efetiva a população em situação de rua. “A partir disso, algumas leis foram implementadas, dentre elas a proibição de expulsão dos espaços públicos desse grupo e seus pertences, e a proibição das chamadas ‘Arquiteturas Hostis’, outras propostas que estão em andamento, como a realização de um Censo pelo IBGE”, aponta Zinek.

A partir dessa decisão do STF, recorda Teófilo Roberto de Souza, coordenador do MTSR, que a segurança e a proteção às pessoas em situação de rua começaram a melhorar. “Os estados e municípios não poderiam mais retirar os pertences da galera da rua, não poderiam forçar que se migrassem de um município para outro. Algo que eles já deveriam cumprir, se considerarmos o decreto 7053, que fala sobre a população da situação de rua e dos direitos de ir e vir, assim como o de permanecer, caso necessário”, pontua Souza.

E ele argumenta que mudou muito, a partir da aprovação dessas leis no Congresso Federal, “porque os municípios tentaram mascarar o que o STF propôs”. Segundo o coordenador do MTSR, o que se percebeu foi a mobilização de algumas prefeituras em se organizarem antes da lei chegar. “Isso nos preocupou muito, porque surgiram projetos de leis e algumas decisões nas cidades que começaram a prejudicar a população em situação de rua. Enquanto movimento, buscamos os órgãos competentes para não deixar isso acontecer”, afirma.

Foi o que ocorreu, como bem lembra Mindu Zinek, com as prefeituras da Região Metropolitana da Grande Vitória. “Além de algumas cidades desobedecerem a decisão do STF, houve prefeituras que ainda intensificaram as ações de retirada de pertences e expulsão dessas pessoas dos espaços públicos”, reforça.

Ele cita, por exemplo, o Projeto de Lei apresentado pelo vereador Luiz Emanuel (Podemos), em Vitória. “Ele se elegeu em 2020 e, agora, enquanto vereador propõe uma lei perversa de proibição da permanência desse público nas praças, parques e calçadas”. Já em Vila Velha, lembra Zinek, “a proposta do prefeito Arnaldinho Borgo foi proibir a circulação de catadores de materiais recicláveis nas principais regiões do município, sem propor qualquer alternativa”. E Teófilo Roberto de Souza ainda recorda das decisões de alguns municípios capixabas, a exemplo de Linhares, Colatina e Cachoeiro de Itapemirim, que optaram por “colocar barreiras fixas para não deixar as pessoas ficarem embaixo de viadutos”.

“Eu nem tenho como falar sobre isso, porque isso tudo é inconstitucional. O de Vitória, por exemplo, é absurda. Ela derruba todos os direitos do ser humano. Já Vila Velha, aí complicou mais. Como um município do tamanho de Vila Velha, com as problemáticas que já tem com a população em situação de rua, ao invés de trabalhar para solucionar essas questões, prefere aumentar essa problemática? Ao invés de melhorar a situação do camarada, está piorando. A maioria dos catadores é trabalhador que quer ajudar a família, preocupada com a alimentação dos filhos, de mantê-los no colégio. Não pode existir uma lei dessas, não podemos aceitar”, defende o coordenador do MTSR.

A defesa de Teófilo é para que os municípios criem seus comitês voltados para a população em situação de rua. “Nós temos que brigar por isso, para podermos fazer política efetiva e melhorar a situação de todos”, pontua. Enquanto Mindu Zinek reforça que também é necessário pensar em ações que alcancem a sociedade. Afinal, se há pessoas em situação de rua, é porque também “há toda uma estrutura socioeconômica que produz e mantém esse grupo populacional”. Como bem reforça Zinek, esse é “um fenômeno produzido pelas sociedades capitalistas e legitimado pelo Estado neoliberal, e que também carrega as marcas do passado escravocrata. Ou seja, o racismo também atinge a população em situação de rua”.

Essa reflexão de Zinek parte de um ponto de vista teórico, compreendendo que a população em situação de rua é, sim, uma expressão radical da questão social, como diz Maria Lúcia Lopes Silva (2014). “Mas não podemos ignorar o aspecto da questão racial como sendo estruturante da questão social”, destaca.

A partir desse olhar, as palavras de Teófilo Roberto de Souza sobre as ações junto à população em situação de rua merecem ainda mais atenção. “Cada município tem a sua especificidade. A cidade de Vitória, por exemplo, faz um serviço de abordagem social que vai pra conversa inicial de tentar levar da rua para o abrigo. Mas se eu chego e afirmo que quero ir para o abrigo, começa o ‘vamos ver’. Pra quê eles vão lá, até o morador, para convencer a ir para um abrigo, se não tem vaga?”.

Outro exemplo levantado por Teófilo é sobre o Centro Pop, e de qualquer município: “Estou sendo atendido, consigo um emprego e, automaticamente, o técnico ou o coordenador vai me ajudar a localizar um barraquinho para mim. Quando eu consigo alugar com a minha verba, e não com a ajuda do município, eu sou desligado dos serviços do Centro Pop. Só que não há um remanejamento para que o CRAS de referência de onde eu vá morar possa fazer um monitoramento ou acompanhamento de como será minha evolução pós-rua. Houve a inserção no mercado de trabalho, mas e a minha ressocialização? Isso é muito complexo”.

Essas pontuações são desafiadoras para a categoria. E indicam a necessidade de um olhar mais atento aos serviços associados à Assistência Social e que são destinados a este público. “Acho que a primeira questão é ter em mente que enquanto não houver uma intersetorialidade, somente a Assistência Social não dará conta”, reforça Zinek. Lembrando, ainda, que “enquanto Assistentes Sociais, o nosso compromisso, primeiramente, deve ser ético-político e militante com a causa. Isso significa somar voz com os movimentos sociais para cobrar a intersetorialidade do poder público, em oposição às políticas e aos serviços que seguem a lógica de um Estado neoliberal”.

Por isso a importância de saber da própria população de rua sobre esses serviços, em especial quando há a intenção de desenvolver políticas para esse público. Principalmente para evitar, como salienta Zinek, os serviços paliativos, “construídos de cima para baixo, com políticas elaboradas por quem desconhece o fenômeno e cogita o que esse grupo populacional precisa sem, contudo, ouvi-los ou construir conjuntamente. Esses serviços seguem uma lógica de tutela, ao invés de fomentar o protagonismo; insistem na definição de reinserção social, como se, uma vez estando em situação de rua, não fizessem parte da sociedade”, alerta.

Como sugestão para novos percursos a essas políticas, Zinek cita o modelo do Programa Moradia Primeiro, ou Housing First, que é uma das políticas inovadoras que tem se mostrado positiva e com indicadores bastante significativos, segundo ele. “É desenvolvido de forma intersetorial, cooperativa, integrativa às dinâmicas da sociedade e de redução de danos. Não estamos falando em extinguir os serviços existentes, entendemos sua importância. É necessário, portanto, que haja uma reformulação, com pesquisas, monitoramento e avaliação contínua”.

Ainda assim, pontua Zinek, mesmo adotando essas sugestões e pensando em novas modalidades de políticas públicas que atendam a essa população, é preciso considerar aquelas pessoas que não sairão das ruas. “Para essas pessoas também deve ser garantido o direito de viver com proteção e dignidade. Entender que os espaços públicos são para todes. E devem ser ordenados conforme as dinâmicas dos diversos grupos populacionais que coabitam, contra uma lógica capitalista e neoliberal que sempre teve como objetivo controlar, vigiar e punir”, conclui.

 

* MinduZinek é Assistente Social no Território do Bem

** Teófilo Roberto de Souza é coordenador do Movimento dos Trabalhadores em Situação de Rua (MTSR) no Espírito Santo.

 

REFERÊNCIA

SILVA, Maria Lúcia Lopes. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez Editora; 1ª ed., 2014.

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