A Comissão de Ética e Direitos Humanos produziu um texto para a categoria sobre questões que envolvem a profissão nesse período de pandemia provocada pelo novo coronavírus. . O texto aborda, principalmente, as violações em ambientes desumanizadores e violentos, como a socioeducação e o presídio.
O texto foi escrito pela conselheira Sabrina Moraes Nascimento, coordenadora dessa Comissão; pela assessoria em Serviço Social do CRESS-ES, a assistente social Tuanne Almeida; e pelas profissionais de base Larisse Nunes, Pollyana Labeta e Suellen Cruz.
Confira!
Nesse momento de calamidade, de esforços coletivos no combate à pandemia da COVID-19, precisamos dialogar mais de pertinho com a nossa categoria, com todos os/as assistentes sociais, principalmente com os/as que estão na linha de frente dos espaços sócioocupacionais de atendimento direto à população usuária.
Lidar com um vírus em que os procedimentos principais para evitar a sua proliferação são: evitar aglomerações e contato pessoal; higienização das mãos e das superfícies às quais as pessoas têm acesso; ventilação dos ambientes; atendimento prioritário e imediato das pessoas que apresentem os sintomas e o seu isolamento, requer uma estrutura que ofereça tais condições.
No entanto, as desigualdades estruturais no Brasil expõem a população, principalmente negra – maioria no Brasil -, ao abandono deliberado. Isso se expressa na falta de investimento e não acesso à saúde, educação, alimentação, moradia, saneamento, renda, dentre outras políticas públicas. O sufoco não é novidade, e vem sendo denunciado há séculos. Alguns movimentos sociais são categóricos em afirmar que para preto e pobre resta: “caixão ou cadeia”.
Com base nos dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de 2019, o Brasil possuía cerca de 726 mil pessoas em privação de liberdade. Porém, os números de vagas disponíveis totalizavam 436 mil. Outro dado relevante é que 250 mil pessoas encarceradas têm algum tipo de doença. Queremos dizer que são necessárias a abertura de novas vagas? Definitivamente, não! Precisamos denunciar que este estado de coisas não pode continuar.
Dados do Levantamento Anual SINASE[1] mostram um total de 26.109 (vinte e seis mil, cento e nove) adolescentes e jovens incluídos no sistema socioeducativo, sendo 96,20% em medidas restritivas e privativas de liberdade. A operacionalização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Conflito com a Lei, em Regime de Internação e Internação Provisória (PNAISARI) encontra muitos desafios para a garantia da saúde dos sujeitos dessa política.
Em certa medida, há semelhanças entre o cenário dos sistemas prisional e socioeducativo. A superlotação, a estrutura precária de higiene, a falta de médicos e outros/as profissionais de saúde, podem ser fatores potencializadores de um verdadeiro massacre silencioso, tendo como principal agente, a COVID-19. Afirmamos isso, na medida em que os dados do Ministério da Saúde[2], afirmam que pessoas privadas de liberdade têm, em média, chance 28 vezes maior do que a população em geral de contrair tuberculose – doença respiratória responsável por colocar no grupo de alto risco seus/suas portadores/as.
O Brasil está entre os países que mais encarcera, no entanto, a eficiência e celeridade da justiça não é a mesma para os trâmites legais entre o julgamento, direito de defesa e sentenças. Portanto, como medida preventiva à propagação do vírus, o Conselho Nacional de Justiça expediu a recomendação nº 62 que orienta os/as magistrados/as a procederam à revisão de prisão e de medidas restritivas e privativas de liberdade de pessoas inseridas nos grupos de risco ou encarceradas por crimes sem violência. Vale ressaltar que esta recomendação tem encontrado muitas barreiras para sua efetivação, o que reflete a concepção punitivista da sociedade em que vivemos e das violações de direito dentro das unidades penitenciárias e socioeducativas.
Estar entre os países que mais encarcera no mundo, demonstra a adesão à cartilha de organização e manutenção do racismo estrutural do Estado brasileiro, que desde sua estruturação, violenta, persegue e mata negras e negros. Essa discussão também é racial, na medida em que negros e negras representam a maioria da população carcerária e socioeducativa. A propósito, a invisibilização da questão racial neste aspecto, seria um reflexo direto do racismo institucional, que a partir da indiferença com as particularidades raciais que marcam a cultura, a vida e as crenças da população negra, ― impede a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas eficientes, eficazes e efetivas no combate ao racismo (EURICO, 2013, p. 299).
Expondo assim que a superlotação das unidades prisionais também se dá por uma ineficiência e seletividade no acesso a justiça brasileira e que pode ser revista, ser repensada! É possível assim, pensar em uma forma de sociabilidade em que as prisões não sejam as únicas formas de responsabilização a um ato de ilegalidade. Essa realidade nos impõe uma reflexão sobre como as leis são aplicadas de maneira diferenciada para os diferentes grupos raciais.
Neste contexto de pandemia em decorrência da COVID-19, o isolamento ou distanciamento social são medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS. No entanto, pensar nessas recomendações nos ambientes de privação e restrição de liberdade impõe compromisso ético-político, acompanhamento das medidas que estão sendo adotadas pelo Estado e pelas instituições em relação à prevenção da propagação do vírus entre as pessoas que estão em privação de liberdade e todos/as os/as trabalhadores/as que atuam junto a estes sujeitos como forma de defesa intransigente dos direitos humanos. No Espírito Santo, até o momento, temos três casos confirmados e registrados de pessoas em privação de liberdade que estão com COVID-19 e oito servidores/as. Diante disso, faz-se necessário cobrar dos diversos atores a transparência ainda maior nos dados relacionados à pandemia e acompanhar/fiscalizar/denunciar subnotificações.
Muitos desafios se impõem aos/às trabalhadores/as, no contexto de adoecimento por agravos de saúde mental e assédio moral institucional, dos sistemas de restrição e privação de liberdade e o Serviço Social é uma das categorias que está na linha de frente do combate à COVID-19. Para tanto, faz-se necessário a apropriação de protocolos e recomendações das diversas instituições que compõem o sistema de garantia de direitos da criança e do/as adolescente, bem como dos organismos de defesa, controle e efetivação dos direitos humanos.
Faz-se necessário a reavaliação dos casos e encaminhamentos de relatórios extraordinários ao sistema de justiça, conforme recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Comitê Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura do Estado do Espírito Santo (CEPET-ES) para os casos onde haja indicação de progressão ao extinção de medida.
É preciso estar atento/a às demandas dos adolescentes, jovens e adultos em privação de liberdade.
Cabe aos/às assistentes sociais, portanto, assegurar o direito à informação aos sujeitos, seja sobre a saúde, situação jurídica, dentre outras, e fortalecer as construções coletivas, reafirmando o compromisso com a população usuária, buscando atender as competências profissionais e as atribuições privativas.
[1] Referência: BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). LEVANTAMENTO ANUAL SINASE 2017. Brasília: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2019.
[2] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/14/massacre-silencioso-mortes-por-doencas-trataveis-superam-mortes-violentas-nas-prisoes-brasileiras.htm.
Acessem:
NOTA TÉCNICA “ABOLICIONISMO PENAL” E POSSIBILIDADE DE UMA SOCIEDADE SEM PRISÕES
MANIFESTAÇÃO DE APOIO E DE VALORIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM TEMPO DE PANDEMIA – CRESS ES
RECOMENDAÇÕES SOBRE CONDIÇÕES ÉTICAS E TÉCNICAS DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL – CRESS ES
RECOMENDAÇÃO 62/2020 – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
PAINEL DE MONITORAMENTO DE CASOS SUSPEITOS E CONFIRMADOS DE COVID-19 NOS SISTEMAS PRISIONAIS.
PAINEL DE NORMAS IMPLEMENTADAS E MEDIDAS CONTRA O COVID -19 PELOS SISTEMAS PRISIONAIS
NOTA TÉCNICA COM PROCEDIMENTOS PARA PRESOS IDOSOS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
BANDEIRAS DE LUTA – CONJUNTO CFESS-CRESS
CARTILHA: O QUE É PRECONCEITO? – CONJUNTO CFESS/CRESS
CARTILHA: RACISMO – CONJUNTO CFESS/CRESS
SUBSÍDIOS PARA ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NO SOCIOJURÍDICO – CONJUNTO CFESS/CRESS
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